quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
SOBRE ANNA: As Causas e Defeitos
- Anna! Ei! Para onde vais tão cabisbaixa, filha?
Anna respondeu hesitante:- sei lá! – num misto de sinceridade e aflição - Logo, uma velhinha simpática debruçou-se sobre o parapeito do sobrado.
Eugênia Handsome vivia em Anesthesia há vários anos. Anna não sabia a idade dela – ninguém sabia. Diziam que ela era mais velha que a cidadezinha, mas não podiam afirmar com certeza. Sempre fora gentil com todos e era muito querida pelos vizinhos; exceto uma, conforme veremos adiante. Viúva e solitária, passava as tardes regando os girassóis do jardim improvisado no fundo do quintal; varrendo a varanda ou indagando os transeuntes a respeito de saúde, família, tempo e outras trivialidades. Vestindo uma camisola surrada, um chapéu engraçado e sandálias brancas, parecia a avó ideal. Sonolenta, a velhinha judia continuou:
-“Sei Lá” fica muito longe querida. Por que não entra e toma um chá comigo? Prepararei alguns bolinhos de chuva em um minuto - Asmática, ofegou durante alguns segundos e sorriu de maneira benevolente para Anna. Anna olhou para os lados à espera de algum pretexto, titubeou por um instante e respondeu:
- Desculpe Sra.Handsome. Estou com pressa.
- Vocês jovens...Sempre apressados! No entanto, sempre chegam atrasados - a Sra.Handsome balançava a cabeça consternada. De repente, uma terceira voz; esganiçada, com um sotaque esquisito e um timbre médio-grave inconfundível invadiu o ambiente:
- DIONÍSIO! DIONÍSIO! Onde estás você menino? - Anna agora notara que o som vinha do quintal vizinho à Sra.Handsome. Ouviu um rangido, viu o portão de ferro aberto e percebeu a presença de uma senhora de meia-idade magra e alta. Tinha olhos de coruja e um nariz fino, avantajado; o cabelo preto preso num coque, duas argolas douradas nas orelhas e vestia um vestido roxo-azulado.
Marlene Gossip mudara-se há pouco tempo para Anesthesia. Ao contrário da Sra.Hansome estava sempre mal-humorada. Queixava-se pelo descaso da prefeitura local - segundo ela as calçadas imundas não tardariam à trazer a peste para a cidadezinha. Havia um certo exagero nos comentários ácidos vindos daquela boca. Marlene Gossip não hesitava em utilizar as hipérboles mais absurdas para alarmar os cidadãos do suposto perigo que corriam. A maioria da população considerava-lhe uma louca decrépita – alguns mais afoitos, uma bruxa, para o resto era apenas um senhora excêntrica. Anna considerava válida qualquer uma das opções. O fato era reforçado pelos estranhos companheiros dela: 13 gatos. Dionísio era o caçula dos treze e estava desaparecido desde a meia-noite passada. Cinzento como uma nuvem nublada, possuía orelhas pontiagudas e pequenas, olhos curiosamente distintos: um azul turquesa e outro verde gelatina. Astuto, ágil e irrequieto, gostava de brincar com os insetos que encontrava no quintal. Todavia, logo entediava-se e raramente não matava as pobres criaturas. Marlene Gossip nervosa e inconsolável, virou-se para a Sra.Handsome e indagou:
- Vistes meu pobre Dionísio, Eugênia?! - num tom murmurante, quase patético!.
- Oras! Deve estar se divertindo com alguma bacante! – respondeu irônica a Sra.Handsome. Marlene Gossip nascera em Atenas.
- Acalme-se.
- Humpf! – Marlene Gossip não gostou nada da piadinha. Anna abaixou a cabeça e riu baixinho, embora não entendesse completamente o ocorrido. Quando levantou a cabeça, viu os olhos de rapina de Marlene Gossip na sua direção. Assustadores, fitavam obsessivamente os dela. Anna sentiu que não conseguiria fitá-los por muito tempo. A sua garganta foi consumida por um sabor amargo e desagradável. Estava hipnotizada. Foi despertada do transe pela voz rouca e sussurrante da Sra.Handsome:
- Anna! Venha para cá menina...Vamos! – a Sra. Handsome tossia compulsivamente.
- Não, me desculpe, mas hoje eu realmente não posso – Anna olhou os arredores e não viu Marlene Gossip. A Sra.Handsome interrompeu a investigação de Anna:
- Esqueça aquela chata! Como vais teu pai mocinha? – indagou serenamente, com um semblante que deixava Anna constrangida, a Sra. Handsome.
- Na mesma... - o desapontamento de Anna era digno de complacência. A Sra.Handsome pensou por um instante:
- Hmm...Compreendo. Quanto tempo faz? Nove anos?
Anna como num passe de mágica, encontrava-se no seu quarto chorando. Balbuciava as palavras,”mamãe não vá”repetidamente. O pai tentava consolá-la em vão. A expressão gélida, apática e mórbida não dava sinais de mudança. Ele vagava pela casa como um fantasma assustado. Catatônico, observava o retrato da esposa que tanto amara um dia. Abria as janelas e deixava que o vento levasse o resto do sopro vital que ainda restava-lhe. Depois daquele dia fatídico, restara-lhe muito pouco; apenas lembranças, fumaça e desespero. Tornou-se um homem frio e lacônico, que limitava-se a cumprimentar a filha acenando timidamente com a cabeça. O silêncio ensurdecedor do jantar tirava o apetite de Anna. O pai comia sozinho, mastigando lentamente, como se fosse um condenado recebendo a última refeição. Anna não suportava mais olhar para o pai que definhava a olhos nus e negros. Inclusive, chegara a sentir saudades dos sermões dele. Anna ligava o aparelho de som num volume demasiado alto, faltava ao colégio, fumava, fazia tatuagens, colocava piercings, tingia os cabelos, pintava as unhas e as pálpebras de preto, rabiscava as paredes brancas do quarto com giz vermelho, mas nada chamava a atenção do pai. Nada...Absolutamente nada – nem as marcas nos pulsos. Anna passava a maior parte do dia no quarto trancada, com as janelas fechadas, para que a luz do sol não a incomodasse. Agachava-se no canto da parede, fechava os olhos e começava a cantar uma canção bem baixinho:”isso é apenas um sonho ruim, isso é apenas um sonho ruim, isso é apenas um sonho ruim, isso é ape...” - Então Anna acordou.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
E ELE DISSE AH DEUS!
P.S: Imagem por Rafaello, amigo, quixotista, artista e pessoa excepcionais.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
MAPA ASTRAL
BEM-VINDO, VOCÊ ESTÁ EM SOLO ASTERISCO E PONTO*
P.S: Di’stante é pisciano, no entanto não sabe nadar e aquários lhe causam hidrofobia; assistia Cavaleiros do Zodíaco na falecida Rede Manchete(que Zeus a tenha!), mas é cético com relação a horóscopos e mapas astrais. Resiste firmemente às investidas de Lis, flor e estrela, moradora de Asteróide B e integrante zen-mor dos membros da Luz, que insiste em lhe construir um mapa astral.
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
SOBRE ANNA
Anesthesia era uma cidadezinha situada nos limites de Nowhere e Anything. Estimava-se que a população já ultrapassara a casa dos 15.000 habitantes. Embora as autoridades locais negassem, ainda haviam resquícios de um pseudocoronelismo velado na administração vigente. O prefeito defendia-se dizendo que tratava-se apenas de intrigas da oposição. A primeira dama com o bom senso que é inerente as mulheres, aconselhava-o a contratar um novo assessor de imprensa. A sensatez é uma qualidade feminina. O artigo comprova a afirmação. Como toda cidadezinha que se preze, Anesthesia possuía botecos(poderia encontrá-los em qualquer esquina. Caso não encontrasse, eles encontrariam-lhe), farmácias, mercearias, padarias, um posto de gasolina, locadoras de vídeo, um supermercado, além dos estabelecimentos típicos à qualquer cidadezinha do interior. No ocaso do dia via-se pessoas sentadas na calçada, divagando a respeito da vida alheia, donas de casa lavando roupas, estendendo-as em varáis improvisados, homens lavando carros, crianças empinando pipas, jogando calçados pelo cadarço a fios de alta tensão - Enfim, ali encontraríamos tudo que pudesse ser encontrado numa cidadezinha chamada Anesthesia. Tudo. O ar de Anesthesia estava impregnado de provincianismo há anos. Os dias eram longos e extenuantes. As noites curtas demais para sonhar; sempre mudas, o que perturbava demasiadamente Anna. No silêncio podia ouvir seus pensamentos. Eles cheiravam ópio. Os cães vira-latas não faziam nenhuma objeção a lei do silêncio.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
MELISSA (IN)VERSO
É isso que te faz sofrer?
É isso que você quer?
Eu que por tantas vezes violentei sua boca,
Sussurrei poesias profanas em seus ouvidos,
Tirei sua roupa, rocei com o nariz seu umbigo(o centro do meu mundo),
Enquanto você, indiferente e fria,
Como quem não está nem aí nem ali nem aqui,
Desdenhava do meu desejo com risos e ironia – não entendo.
Rapazes, mulheres, homens velhos e moças,
Buscam abrigo no meio de suas coxas.
Você não escolhe credo, idade, raça, sexo ou cor.
Hoje empresta aos outros aquilo que já foi meu.
Todavia, não está feliz – ouço sua dor.
Eu que punha minha cabeça em seus seios, meu travesseiro,
E dormia fatigado, sei.
O meu sono despertava complacência em ti.
De manhã, acordava com um gosto salgado nos lábios.
Eram lágrimas, eu já sabia.
Eram as suas e eu já as adotara como as minhas.
O odor de ópio no quarto, causava-me ânsia...Uma agonia sem fim.
Doía-me vê-la assim.
Melissa, concubina, esta tristeza cinza não combina com o seu cabelo rosa.
À noite, você tranca-se no banheiro, olha-se no espelho e o medo reflete:
Medo do tempo. Medo da gravidade. Medo de ficar sozinha.
Medo de sentir-se só...Medo. Medo outra vez. Medo sete vezes.
Ele não te deixa dormir, tampouco sonhar;
Puxa seus cobertores, veste suas roupas e te deixa nua...Nua e Só...
(não consigo mesmo!)
Eu, ingênuo, tolo e infantil, um dia acreditei
Que fechando as janelas do quarto impediria,
Que"insetos"hostis te picassem.
Esqueci, não sabia ou queria saber,
Que escondia agulhas na bolsa carmim.
Melissa, é Isso que te deixa triste.
É por Isso que sofre.
Não é Isso que você quer – você não sabe o que quer...
Oras Isso, oras Essa!
Melissa: deixa Disso.
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
"RAIN DOWN...COME RAIN DOWN"*
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
O PRESENTE DE SATURNO: Estrelas, Ameixas, Anéis e o Fim
- Vai demorar muito? – indagou Laura impaciente.
- Só um minutinho – o rapaz dissera a mesma coisa há quinze minutos atrás. Laura sentiu falta de algo na sacola:
- Vocês tem bolo de chocolate?
- Terceira fileira à esquerda – disse o rapaz libriano sem tirar os olhos da caixa registradora. Laura adentrou o setor de frios e congelados, escolheu um bolo mediano de brigadeiro, mas frustrou-se assim que notou a ausência de cerejas. Dirigiu-se ao caixa:
- Onde estão as cerejas?
- Ah, sinto muito dona! Não temos – a caixa registradora voltara a funcionar.
- No entanto, temos ameixas fresquinhas! – o rapaz libriano sorria espalhafatosamente. Laura arrependeu-se da indagação. Pôs uma dúzia de ameixas na sacola:
- 57, 80 – disse o rapaz libriano. Laura abriu a carteira, retirou duas notas de cinqüenta e entregou ao rapaz:
- Me diz uma coisa: a dona que vive no observatório abandonado? Laura fez uma expressão séria e respondeu:
- Ex-abandonado. Sim, sou eu...Por quê?
- Talvez a dona possa me ajudar – o rapaz libriano franziu a testa.
- Fale – disse Laura.
- Conheci uma moça muito bonita ontem. Ela disse que é de escorpião. Eu sou de libra. A dona que mexe com os astros e estrelas poderia me dizer: vai dar certo? – as bochechas do rapaz libriano ruborizaram.
- Olha...Não sou astróloga rapaz, sou astrônoma – (NÃO BASTARAM AS CHACOTAS NA ÉPOCA DO COLÉGIO, AINDA ISSO AGORA?!) A consciência de Laura se contorcia. Laura cruzou a catraca, virou-se, e vendo o abatimento no rosto do rapaz, disse:
- Ei garoto! Vocês serão muito felizes – sorriu timidamente(só tenha cuidado com o veneno dela) – sua consciência sussurrava. O rapaz libriano, radiante, agradeceu-lhe, olhou para os lados, beijou o signo na corrente de prata e pulou feito criança. Laura saiu da loja de conveniências carregando uma sacola cheia de enlatados, conservas, instantâneos, um bolo de brigadeiro, ameixas frescas e a sinceridade escondida no bolso.
Laura pedalava com dificuldades, o peso da sacola e as pernas longas e finas; cambitos, atrapalhavam o equilíbrio dela. Laura parou numa calçada, sentou-se; ficou observando os transeuntes seguirem a vida – alguns iam na rabeira. Focou sua atenção num poste, imaginou se ele se movera um 1 centímetro ao longo do ano. O cotidiano cerceava sua imaginação. Laura podia imaginar o que viria a seguir, não fosse o Acaso; ele estragaria seus planos, cancelaria a sessão da tarde e lhe faria uma surpresinha:
- Degustaria de ver la jóias?
Laura assustada, virou-se procurando a dona do sotaque hispânico. Ali estava a jovem:
Era bem menor que Laura, tinha cabelos negros e encaracolados até a cintura, olhos cor de terra molhada e a pele bronzeada; usava um lenço vermelho, uma blusa de lã bege com bordados andinos, uma saia preta com babados vermelhos até a altura das botas de camurça marrons. As argolas douradas nas orelhas e pulsos, o piercing prata no nariz e sobrancelha e o colar feito com algas azuis, completavam o visual ultrajante as convenções regionais. A jovem também carregava um case de violão nas costas. Aparentava ter dezesseis – com juros uns dezoito anos. Não falava muito bem o idioma local(combinava as palavras de maneira aleatória) Ela estava longe de casa. É uma cidadã do mundo, uma nômade, imaginou Laura. A jovem ajoelhou-se, abriu o case, revelando um mostruário improvisado: anéis, pulseiras, colares, brincos, jóias e bijuterias na ordem que se desejasse encontravam-se no”Kit Eldorado”. A jovem sorria para Laura exibindo os molares 8 quilates.”A garota é uma cigana desgarrada, provavelmente perdeu-se da caravana e, sem comida e dinheiro, fora forçada a tornar-se uma mascate para não vender-se pelas ruas” – Laura não conseguia teorizar nada melhor:
- Desculpe, não tenho dinheiro – o que restara das compras pagariam o conserto do aquecedor. A jovem pegou um anel dourado, lustrou com esmero e uma flanela branca, abriu a palma da mão de Laura e colocou-o ali.
- O QUE ESTÁ FAZENDO?! – Laura estava confusa.
- Vendo – respondeu a jovem.
- Vendo o quê? Não pedi que lesse minha mão. Menina só tem garranchos aí, não adianta, não descobrirá nada – Laura zombava da jovem, da quiromancia, astrologia, alquímia ou qualquer coisa que lhe parecesse uma”pseudociência”. Subitamente a jovem fechou a palma da mão de Laura e disse:
- Quiero que fiques com ele, bien?! Não te preocupas...Tenho muchos. Hoje é uno dia especial para ti, no?!
- Não posso aceitar...Não tenho como pagar – disse Laura angustiada.
- Las ciruelas – disse a jovem sucinta.
- Hã....Ah, você quer comida? É isso, né?! Posso te dar um pouco se quiser – Laura esforçava-se para compreender o dialeto usado pela jovem.
- Gracias, mas solo as ciruelas já basta-me – a jovem parecia convicta. Laura pensou em insistir, porém o olhar enigmático da jovem condenava suas intenções. Resolveu entregar o saco com ameixas sem maiores”porquês”. A jovem abriu o saco, retirou uma ameixa amarelada, colocou na outra mão de Laura e partiu levando o saco de ameixas, deixando um círculo no lugar e a curiosidade de Laura para trás. Laura só percebeu instantes depois, mas o estômago protestava; precisava voltar para casa - logo, procrastinaria o pensar em quando e como a jovem realizara o truque.
Laura devorava um sanduíche de atum, saboreando-o vigorosamente, enquanto o cappuccino de canela se encarregava de dissolvê-lo. Satisfeita, limpou a boca com um guardanapo, embrulhou-o e arremessou numa cesta lotada de papéis – ossos do ofício. Inclinou a nuca, bocejou, adormeceu debruçada sobre o computador.
O som do lusco-fusco a acordou – o crepúsculo chegara. Laura poderia explorar o espaço livremente agora, sem o engarrafamento de nuvens e aves habitual. Ligou”Galileu”, o obsoleto telescópio soviético, fez alguns ajustes na posição da lente e desceu as escadas. Esquecera de ligar o dispositivo do telhado. O celular tocou, ela reconheceu imediatamente o número – desligou-o sem pestanejar. Ele tentara outra vez. Houve uma época em que desejou cortá-lo em pedacinhos – que um meteorito caísse na cabeça dele ou que fosse sugado por um buraco negro, enfim, mas agora só a ausência dele já bastava-lhe. Ela trocara as mentiras dele por barras de chocolate suíço. Ambas se equivaliam – vinham embrulhadas em papel laminado e eram doces. Se se sentisse carente olharia para o retrato de Newton na estante. Isaac era inteligente, embora fosse mais velho e retrógrado, estaria ali quando ela precisasse. Laura voltou até Galileu, podia-se ler em seus lábios algo do tipo:”Que acha de darmos um passeio pelo infinito, hein?!”. Laura despia a Via Láctea, admirava Andrômeda, identificava satélites fora de órbita, no entanto não encontrava sinal dos anéis de Saturno, tampouco os homenzinhos verdes de Marte. Pensou no aniversário, no bolo de brigadeiro na geladeira, na ameixa e no anel – tinha a estranha sensação de que esquecera algo importante. Foi até a cozinha, abriu a geladeira, pegou o bolo e colocou-o sobre a mesa. Pôs a ameixa com o anel em volta no centro. Acendeu três palitos de fósforo, um a um - apagou-os logo em seguida. Não fez nenhum pedido. Tudo estava em seu devido lugar.
terça-feira, 13 de novembro de 2007
NÃO É MAIS UMA ESTÓRIA; É HISTÓRIA!
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
EFÊMERA
Ainda que vivamos menos.
Somos efêmeros.
Não fomos feitos para durar.
Nada dura, perdura, o Além dirá!
Felizes aqueles que não vivem a prazo,
Que gozam a vida sem percebê-la.
Possuem pelas horas um grande descaso
Em suas almas, uma pequena estrela.
sábado, 3 de novembro de 2007
MANUAIS E PRÁTICAS
- Filha, você tá bem?! Fica aí falando sozinha. O que tá acontecendo?. A filha ajeita os botões da camisa, fecha o zíper da calça jeans, levanta-se da cama e ainda recompondo-se diz:
- Não esquenta mãe...Não é nada não. Sempre falei sozinha mesmo – faz cara de amuada e amontoa-se aos lençóis libidinosos outra vez. A mãe insatisfeita responde:
- O QUÊ?!
- Não disse! – diz a jovem brincando com um sorriso rabiscado na palma da mão direita. A mãe consola-se com a ignorância e diz antes de descer as escadas, que o café vai esfriar. A jovem então volta a ensaiar o monólogo monossilábico manual e imoral da vez.
domingo, 28 de outubro de 2007
O PRESENTE DE SATURNO
Laura despertou pela segunda vez, dirigiu-se a cozinha e estupefata, constatou que alguma coisa peluda fizera uma festa sem convidá-la. Antes que percebesse um extenso”putz”saltou da sua boca até a mesa – mordiscou os lábios censurando-os. A caixa de cereais roída, derramada sobre a mesa, não deixava dúvidas: ele voltara. Ela comprara algumas armadilhas para ratos, porém o fabricante não se responsabilizava pelo uso indevido, afinal, furões não são ratos, embora pertençam a mesma família. Laura bufou, pegou a pá perto da pia e com a ajuda de um pano, apagou os vestígios da travessura noturna. Vasculhou o armário, fogão e a geladeira em busca de algo prático, instantâneo e comestível – era adepta do”não faça, compre feito”. Não sobrara nada. A cidadezinha mais próxima ficava há uns 40 minutos de bicicleta, no entanto ela estava às voltas com a entrega de um relatório. Tinha um prazo apertadíssimo e as cobranças do instituto nacional de pesquisas espaciais. Caso cortassem sua verba, Laura já decidira o que fazer: venderia a idéia de casa-observatório para uma construtora moderninha qualquer. Conseguira a proeza de transformar um observatório abandonado, mal-condicionado, sujo e pequeno, num simpático e confortável lar, desde que você não se importasse com sofás e estantes disputando espaço com um telescópio soviético obsoleto, caleidoscópios artesanais e dormir coberto pelo céu. Laura saiu da cozinha arrastando as pantufas, sentou-se em frente a escrivaninha, ligou o velho Mac, acendeu a luminária em forma de lua. Digitou sua senha pessoal - disse um animado”bom dia”para o computador que inicializara. Workaholic incorrigível, amava-o, mas assim como o canto, a dança e a culinária, este era apenas mais um de seus amores não-correspondidos.
Seis horas depois Laura estava exausta e faminta. Ligou o celular – havia 4 chamadas não-respondidas e 2 mensagens na caixa postal. Ativou o viva-voz; Sara lhe parabenizara e dizia sentir saudades. Laura sorriu, discou alguns números, mas abortou a ligação. Se ligasse agora ouviria os sermões casuais dela:”Laura, o que você precisa é de um namorado! Há quanto não faz aquilo?” –“você sabe, né?!” – “aquele palavrão de 4 letras que os adultos geralmente fazem entre quatro paredes”. Sara diria tudo num tom debochado, recheado de metáforas pífias e ironia. A segunda mensagem era da mãe que implorava que ela voltasse logo – desejava felicidades e recomendava que se alimentasse direitinho.”Farei isso daqui a pouco, está bem?!” – Laura repetia em silêncio. Quando preparava-se para desligar o aparelho, notou que chegara uma nova mensagem de voz:”Laura, aqui é a mamãe outra vez. Esqueça esse computador, desligue a luminária e vá comer!” – “você não é uma planta; não realiza fotossíntese, entendeu?!”.”Beijos”: - JÁ ENTENDI, JÁ ENTENDI! – respondeu Laura exaltada. Laura então levantou-se, enrolou um cachecol xadrez no pescoço, pôs a touca; pegou a carteira no criado-mudo, calçou as botas pretas, desligou a luminária e colocou Mac para dormir no modo de espera. Caminhou até a bicicleta rosa de marchas, cestinha e aros enferrujados.
CONTINUA...
sábado, 20 de outubro de 2007
SOMBRAS, SOBRAS E SOBRADO
sexta-feira, 19 de outubro de 2007
AURORA BORED
ADENDO - AGRADECIMENTOS, AFINS E FAST-FOOD LITERÁRIO*
Após conversar com uma amiga, conclui que escrevo post’s muito longos. Pensei que seria interessante criar alguns textos curtos, independentes e despretensiosos e, intercalá-los com meus contos tradicionais. Não pensem que sou influenciado por críticas, sou sensível, o que é bem diferente de fato. Além disso quantidade não significa qualidade. Muitas vezes o excesso de palavras corrompe a intenção do autor. Acredito que é preciso não apenas inventar, mas”reinventar-se”constantemente – subverter os padrões literário-linguísticos sem hesitação. É preciso ousar para criar. Intitulei estes post’s de fast-food literário*porque são textos rápidos, dinâmicos e de fácil apreciação. Espero que este seja o primeiro de uma série promissora. A fotografia é mais uma cortesia de meu estimado amigo, comandante e camponês, Naki – obrigado over and over:)
sábado, 13 de outubro de 2007
INCÓGNITA
"Só mais alguns metros, só mais alguns metros"Diasin repetia em silêncio enquanto atravessava o labirinto de escadas e corredores da antiga estação”Incógnita”. Após sete minutos incontáveis, Diasin enfim alcançou a plataforma de embarque. Observou apressadamente os arredores; não havia ninguém ou nada ali, exceto um banco de madeira velho e vermelho. O desgaste da tinta e a corrosão da madeira atingira um estágio irreversível. Quantas pessoas sentaram-se ali? Quantas esperaram minutos, horas, até dias por alguém? Quantas juras de amor incondicional àquele banco velho ouvira antes de ficar completamente surdo? Diasin imaginava quantas indagações sua imaginação ainda poderia conceber. Assim permaneceu, imóvel, por alguns instantes até voltar sua atenção para os trilhos desnivelados. Pareciam cansados de uma longa viagem. Passaram-se trinta minutos e Diasin permanecia estático – nada rompera aquele estado. Ele então enfiou a mão no bolso da calça, pegou algumas moedas sem valor da algibeira e, atirou-as lentamente nos trilhos. Ouvia atentamente o tilintar agudo da queda e bocejava durante o interim. O espetáculo já lhe entediara quando de repente, esgueirou seus olhos na direção do banco velho abandonado – ele não estava sozinho. Ajeitou os óculos com o dedo indicador e, incrédulo, constatou que havia mais alguém ali - uma figura demasiado peculiar por assim dizer. Tratava-se de uma jovem de estatura mediana, magra, cabelos curtos e negros, com duas pedras de ônix no lugar dos olhos, as pálpebras tingidas de âmbar; logo abaixo da esquerda havia um kanji saliente, impresso à nanquim provavelmente; tinha o nariz e os lábios finos e a pele alva como nuvens preguiçosas de um dia ensolarado. Um colar com um pingente na forma de adaga, o vestido negro até a altura dos joelhos, as luvas pretas de cetim, a meia-calça curiosamente desfiada e as sapatilhas num tom púrpura extravagante, lhe conferiam características exóticas e notáveis. Ela não estava sozinha. Um violino cuidadosamente envernizado dormia tranqüilamente em seu colo - o arco contava-lhe histórias até que adormecesse. Diasin fitava a figura da estranha jovem enquanto desconfiava dos próprios sentidos. Aquilo era surreal, pensava consigo. A jovem então levantou-se, pegou o violino pelo braço, caminhou lentamente na sua direção, aproximou-se o suficiente e, disse-lhe num tom de voz que oscilava entre o suave e agudo, que reconhecia o livro que ele carregava. Um livro repleto de mentiras bem-contadas e páginas devoradas por traças. Ela resolveu abruptamente indagar-lhe:
- Para onde vais cavalheiro?
- Para”Algum Lugar”minha gentil dama, entretanto, ainda não sei como chegar até acolá – o tom de voz de Diasin desapontaria um ouvinte mais sensível.
- Posso ajudar-lhe se quiser, afinal, meu destino fica pertinho daí – a jovem parecia convicta decerto.
- E poderia recusar uma oferta tão aprazível? – Diasin parecia satisfeito. A jovem sorriu por um instante e prosseguiu:
- De onde vens afinal?
- De algum lugar longínquo – os olhos de Diasin fitavam os próprios sapatos ao término da resposta.
- De fato tens coragem, pois viestes de tão longe e nem ao menos sabes para onde vais ! – a expressão de admiração desajeitada da jovem era digna de simpatia irrestrita.
- Não sei...Talvez seja apenas tolice – Diasin ansiava pelo trem como nunca agora.
- Tolices exigem uma grande dose de coragem – respondeu irresoluta a jovem.
Antes que houvesse tempo para a réplica(ainda que houvesse parecia impossível concebê-la)o diálogo foi interrompido pela chegada do trem. Diasin sentou-se ao lado da jovem e observou pela janela o banco velho enquanto abandonavam a antiga estação. Notou que esquecera alguma coisa. Deixara suas dúvidas ali.
17/12/1913
NOTA*: A garota, o violino e a estação existem de verdade. Como sei? Hmm...Digamos que eu estava acolá=)
ADENDO – AGRADECIMENTOS, AFINS E BATE-PAPO BALELA COM O AUTOR
Há uns 30, 40 ou 50(medidas quantitativas espaciais indefinidas –“incógnitas”)quilômetros de onde moro, existe uma antiga linha de trem abandonada. Imaginei que fotografar os trilhos dela seria o ideal – que eles expressariam a idéia de incerteza com relação ao futuro – que delineariam o conceito de Destino(Acaso)A atmosfera desolada do ambiente decerto tem um apelo estético irrefutável. No entanto, optei por esta fotografia, que pertence ao acervo de um amigo que mencionei no adendo de”Amantes e Opostos”. Eu, que a princípio imaginei trilhos enferrujados com o aspecto sépia ou em preto e branco, descobri que usá-la seria uma ótima oportunidade de abandonar, ao menos uma vez, todas as idéias preconcebidas que utilizo na construção de meus post’s. Gostei bastante do resultado. Trata-se de uma estória de época, o que causa um choque interessante entre imagem e texto – uma antítese pitoresca diria. Agradeço ao comandante(Naki), que apesar de estar acometido por uma crise temporária de”Parkinson”(vide a(in)definição da fotografia – hmm...Gosto do aspecto ocasionado casualmente rs), tirou uma fotografia, senão magnífica, digna de uma observação cuidadosa. Obrigado mais uma vez, caro amigo=]”THAT’S ALL FOLKS!”(sempre quis dizer isso!rsx)
sexta-feira, 28 de setembro de 2007
PREFÁCIO
Todos os dias, logo que o Sol acordava e espreguiçava-se nas árvores senis do bosque da província, a jovem camponesa saía da casinha de madeira onde morava sozinha, pegava uma trouxa de roupas, sentava-se na beira de um riacho próximo e começava a cantarolar uma canção triste - bem baixinho, enquanto esfregava a anágua de um vestido branco. Parecia uma ninfa desolada. Após dias observando, encantado, a melodia belíssima da canção e, tomado por uma curiosidade inquietadora, não pude resistir; aproximei-me, fiz uma breve saudação e resolvi enfim indagar-lhe:
- Por que todo dia vens sentar-se na beira desse riacho e cantarola a mesma canção, senhorita?
- Porque perdi algo, senhor - respondeu serenamente a bela jovem. As mãos dela esfregavam compulsivamente a mancha escura no tecido.
- Perdoe minha ousadia, mas o que perdestes senhorita? - aquilo parecia incompreensível para mim. A jovem virou-se de costas para mim, colocou os pés na água, segurou o chapéu que um minuano matreiro ameaçava raptar:
- A minha Auto-Estima - seus olhos fitavam o Infinito numa expressão deveras melancólica.
Foi então que percebi o quão a jovem era bela, pois as águas límpidas do riacho refletiam meticulosamente sua graciosidade - ela ofuscava a sombra de peixes desavisados. A jovem tinha a pele alva, nariz e lábios delicados, as madeixas púrpuras cobertas por um chapéu de palha decorado com pedrinhas anis; usava um vestido amarelado, decerto banhado em trigo e os pés estavam completamente nus. Os olhos verdes exibiam tons que oscilavam conforme o humor e a incidência da luz. Ocultavam intenções incógnitas de fato. Prometi que ajudaria-lhe a encontrar o que perdera sem ao menos fazer idéia do que procurava. Ela então hesitou, seus olhos adquiriram um tom esmeralda fugaz, doravante voltaram-se para mim. Os lábios delicados, lentamente acompanharam o movimento sinuoso deles - culminaram num sorriso radiante. Naquele instante nada mais importava para mim...Nada. Descobri que sua Auto-Estima não afogara-se afinal.
sexta-feira, 21 de setembro de 2007
FULANO, BELTRANO E SICRANO E O TEMPO
Atravessava a pista;
Bebera outra vez.
Tropeçava nas guias, pernas e vias
Vítima da embriaguez.
As idéias turvas, obscuras e nauseantes,
Ameaçavam sair pela boca a qualquer instante.
A bebida arrancara seu juízo,
Desvanecera seu equilíbrio
E nos transeuntes provocava risos.
Fulano não sabia, Beltrano não via, Sicrano se escondia...
Fulano, pai de família,
Bebia noite e dia
Sempre se metia em frias
Freqüentava a delegacia.
Esbravejava com o delegado:
- Doutor, não sou culpado!
E que não sabia o que fazia
Que aquilo tudo era covardia.
Acordava ao meio-dia
À noite não dormia.
Fulano não sabe, Beltrano não vê, Sicrano se esconde...
Ah Fulano! Um tremendo fanfarrão.
Oferecia pinga de alambique aos santos,
Aos anjos da guarda dava um trabalhão
Enquanto a mulher queixava-se aos prantos.
O vício era um indício
De algo estava errado
No fundo de um copo raso
As alegrias tinham prazo.
Fulano não saberá, Beltrano não verá, porque Sicrano se esconderá...
Fulano estava pele e osso
Afogava-se num copo cheio de mágoas
Chegara ao fundo do poço
Mas não havia água.
Fulano, então
Perdera a razão
Dizia para si mesmo
(“Não quero mais viver, não!”
“Viver pra quê?!”)
Esta indagação, a fulano, que também era João
Ninguém soube responder.
Fulano é alguém,
Beltrano e Sicrano também
João Ninguém.
Assim, haja o que houver...
Etcétera, etcétera e tal.
A Sorte escolhe quais-quer*
Esqueçam o plural!.
NOTA*: O hífen no quaisquer é proposital. Evitem acidentes ortográficos; façam de propósito;]
ADENDO – AGRADECIMENTOS, AFINS E POESIA
Pensei em postar os seguintes versos:”batatinha quando nasce, esparrama pelo chão. Menininha quando dorme, põe a mão no coração”. Todavia, pareceram-me familiares. Muito familiares. Desisti da idéia!^^’(risos)Não costumo escrever poemas. Embora trechos de meus contos exibam rimas e rítmica, não premedito; são versos ocasionais, quiça”acasoniais”!(risos)Este poema foi escrito de improviso. A literatura de Cordel, a verve poética Drummondiana e minha incompetência com os versos, serviram de base para sua construção. A métrica é imperfeita. Diverti-me com minha inexperiência estética durante o processo. Preciso praticar bastante. A estética empregada na poesia exige uma sensibilidade e disciplina absurdas. A imagem utilizada chama-se”Some Sad Guy” e pertence a galeria de Sally. Além de escrever poemas belíssimos, ela é capaz de criar o que denominei”Poesia Visual”. Gosto muito da ilustração. Ela expressa uma melancolia pungente, perturbadora e fascinante. O traço de Sally é extremamente criativo e, sobretudo, tocante(vide”The Dancer Without Legs” – agora inexplicavelmente renomeada como”Dancer”¬¬)Exagero? Hmm...Talvez. Desculpem-me. Minha admiração pela obra dela desconhece aquilo que chamam de”bom senso”. E dizer que ela faz tudo isso entre um milk shake, uma trufa de amarula e outra(esqueci alguma coisa, HONEY-you-are-ROCK?!rsx)Muito obrigado”mais uma vez”, Nah:)
P.S: Di’stante é apreciador incondicional do poeta lusitano Fernando Pessoa. Enquanto eu, um sonhador passional, continuo ano a ano sonhando à toa.
domingo, 2 de setembro de 2007
ANTES DA CHUVA*
- Mais um copo de água amigo? – o desdém no seu olhar era evidente.
- Não, não obrigado.Gostaria de um cartão telefônico – Away era um bom perdedor.
- 20, 40, 50 unidades?
- Hmm...Se eu comprasse o de 20 e usasse somente a metade dos créditos, vocês me reembolsariam?
- Acho que não amigo – o balconista não parecia tão confiante dessa vez.
- Foi o que pensei. Um de vinte unidades por favor – Away acertara-lhe com um tiro silencioso. ”A batalha só termina quando acaba amigo”, Away não cansava-se de repetir em silêncio enquanto deixava para trás um boteco, algumas moedas e um homem atordoado.
Away entrou numa cabine telefônica sem se importar com os cartões publicitários, retirou um papel amassado do bolso e discou os números nele pausadamente. Enquanto ouvia o telefone chamando, lia baixinho o anúncio de uma loja de conveniências. Away estava impaciente. Os ruídos da ligação já despertavam-lhe fortes sinais de irritação, mas ele procurava conter-se. Após um minuto uma voz sonolenta atendeu o chamado:
- Hã...Alô?
- BOM DIA! – Away procurou não economizar simpatia.
- Ah, é você...Que horas são? – Nah não poupava apatia.
- 11:30 da manhã.
- O QUÊ?! 11:30 DA MADRUGADA QUER DIZER! Espero que tenha uma boa desculpa Away! Aliás, você não tinha que trabalhar?
- É...Tinha – Away contemplou por um instante o silêncio, logo prosseguiu:
- Acho que agora sei porque ligações telefônicas são tão caras.
- É verdade?! Por quê?! – Nah indagou de maneira ingênua.
- Eles não cobram apenas o tempo gasto. Adicionam os ruídos também – os ouvidos de Away ainda doíam.
- HÁHÁHÁ! Eles cobram impostos pelos ruídos?! – Nah riu por um tempo – parou assim que percebeu o quão Away parecia aborrecido com a piada. Os ouvidos dele não achavam-na engraçada.
- Que tal tomarmos um sorvete? - disse Away.
- Tá tentando me subornar, é?!Você é estranho!
- O que acha? – Away sorria.
- Do suborno ou do sorvete?
- Hehe...Do sorvete.
- Só se for um de baunilha bem grande e você me der a casquinha do seu, topa?! Away pensou, fez algumas indagações inaudíveis, mas logo aceitou as condições. Away não sabia a diferença entre um sorvete de flocos e um de baunilha, porém achou desnecessário comentar.
- Onde você tá?
- No meio do Nada, mas tem bastante gente aqui – Away esforçava-se para não rir.
- Tá bom Sir.Engraçadinho, espere aí que já vou. Só deixe-me desamassar a cara e colocar as meias, tá?
- Tudo bem – Away colocou o telefone no gancho, pegou um cartão decorativo da cabine e caminhou em direção a um sebo próximo.
Nah levantou-se depois de convencer a Preguiça que era um fato isolado. Nah voltaria cedo, antes que ela fosse embora. Abriu o guarda-roupa, colocou uma saia preta vitoriana, uma camiseta branca com os dizeres”A Bored Girl”em negrito, as meias listradas em preto e branco; calçou a sapatilha preta com salto alto, pôs o colar cujo pingente era um retrato antigo da avó falecida, uma pulseira preta; arrumou rapidamente os longos cabelos negros, prendendo parte da franja com uma presilha azul, por fim colocou óculos rayban. O sol serviria de pretexto para ocultar os olhos inchados(“você é uma garota esperta”, pensava consigo)Pegou a bolsa e um guarda-chuva preto; despediu-se de Dorothy(uma guitarra strato vermelha)pendurada na parede, apagou as luzes e saiu em busca de Away.
NOTA*: O título original deste conto é”Nah Chuva”, entretanto, resolvi criar um subtítulo e dividi-lo em duas partes(não necessariamente homogêneas)O intuito é facilitar a leitura, tornando-a mais atraente; menos efusiva e extenuante. Também serviu de pretexto para a inserção da peculiar fotografia acima. A idéia de dividi-lo até instigou-me a criar uma trilogia(algo a la Matrix e Senhor dos Anéis)A seqüência seria o originalíssimo”Depois da Chuva”^^ - o que acham da idéia?!(risos)
NAH CHUVA
- Tem bastante gente aqui mesmo – disse uma jovem carregando um guarda-chuva preto. Como não houve resposta, ela então alterou o tom de voz:
- EI, EI MR. FARAWAY?! A voz dela finalmente trouxe-o à tona.
- Sim, sim!Hesse, Nietzsche, Rosseau, Voltaire, Dostoiévski, Pessoa, Poe...
- Podemos ir?
- Ah claro! – Away parecia refeito do transe literário.
Enquanto passavam por ruínas de um prédio abandonado, Away observava curioso os trajes da jovem. O movimento sinuoso das pernas dela, ressaltavam as meias listradas e longas. Ficou surpreso ao constatar que ela empunhava um guarda-chuva preto:
- Sabe, pensei numa coisa agora.
- Hmm...O quê? – Nah parou de caminhar.
- Talvez fosse melhor esquecer o sorvete. E se estivermos contribuindo para o aquecimento global?
- Hã? Como? – Nah não acreditava no que acabara de ouvir.
- Este calor insuportável! Aposto que tem dedo da Nestlé aí! – disse Away enfático.
- Eles colocam CO2 na fórmula do sorvete? – Nah indagou com um cinismo delicioso.
- Não, mas se estão lucrando, certamente conspiraram para isso – os olhos dispersos de Away deixavam dúvidas sobre a teoria.
- Você é paranóico!
- Você disse que eu era estranho.
- Estranho e paranóico. Sente-se melhor agora? – Nah não conseguia disfarçar o sorriso entre os lábios.
- Vamos, venha! – Nah puxou Away pela mão bruscamente.
- Vai se queimar todinho se continuar debaixo deste sol – Away insistiu:
- E a Antártida? Os pingüins? E todos àqueles icebergs reduzidos a cubos de gelo?
- Pára com isso! Você não é Atlas! Se por acaso restasse apenas dois cubos de gelo, eu ficaria feliz. Away exclamou compulsivamente:
- VOCÊ É LOUCA?! ESTOU DIZENDO QUE ESTAMOS FRITOS! É SÉRIO! – Nah, serena, lentamente respondeu:
- Sei disso...Eu ficaria com um deles – fez uma pausa e em seguida disse:
- Daria o outro pra você – Away sentiu-se anestesiado pelas palavras de Nah. Olhou para as mãos dela, pensou um pouco e indagou:
- Por que o guarda-chuva? Se a intenção era se proteger do sol, não seria melhor uma sombrinha? - Away lutara o quanto pôde, mas sua boca traiu seu bom senso.
- É porque vai chover. Não sei...Sinto! – Nah gargalhou quando viu a expressão confusa de Away. Ele olhou para o céu. Não havia uma única nuvem. Desconfiou seriamente do sexto sentido feminino.
- Chegamos – Nah apontou para uma sorveteria no fim da rua. Os dois entraram nela, sentaram-se em cadeiras opostas, pediram o combinado e enquanto esperavam, Nah desenhava sóis, luas, lobos, dragões e princesas no verso do menu – usava um lápis de olho que carregava na bolsa. Nah tentava explicar para Away que Crunch era um tipo de cereal; não uma onomatopéia como ele imaginara. Também explicava as diferenças entre uma bola de sorvete de flocos e uma de baunilha, usando exemplos práticos, pois para ela se Away não conseguia distinguir o sabor de essências tão simples, como apreciaria os sabores da vida? Away ouvia atentamente as explicações sobre as diferenças das bolas de sorvete, entretanto, para ele era mais divertido equilibrá-las sobre a casca – sentia-se um verdadeiro artista circense. Estava feliz. Após experimentarem todas as novidades da casa(inclusive um sorvete feito com abóboras púrpuras e limão), resolveram que já era hora de partir; afinal, o Sol já vestira seu pijama. Durante a volta, Away não escondia sua satisfação. Ela era nítida, evidente, saltava aos olhos; sobrepujava os muros de qualquer preocupação.
Away e Nah pararam numa travessa, ela retirou os óculos, trocaram olhares por alguns segundos, riram timidamente, até que Away iniciou o ritual de despedida:
- Quanto te vejo de novo?
- Depende. Quanto tempo leva um”até breve” – Nah sorriu indiscriminadamente.
- Tome. Acho que vai precisar – entregou o guarda-chuva para Away. Ele pegou, balançou a cabeça e ficou ali, parado, observando as meias listradas se afastarem, levando consigo a bela e encantadora jovem. Colocou as mãos no bolso da calça, caminhou até o portão de uma catedral gótica próxima, olhou para o relógio no alto da torre. Não havia nenhuma indicação de”até breve”nele. Voltou para a rua, cabisbaixo, quando de repente sentiu alguma coisa fria cair no seu rosto. Tocou-o, abriu a palma da mão e, impressionado, viu que a coisa fria era água.Logo os pingos de água se transformaram numa chuva espessa, refrescante e majestosa. Away então abriu o guarda-chuva, entregou a um velho mendigo sentado na calçada, abraçou a Chuva e apressou o passo. Até breve não estava tão longe.
ADENDO - AGRADECIMENTOS, AFINS E DECLARAÇÕES
As duas fotografias usadas neste conto são de autoria e propriedade de uma amiga e amante(ou vice-versa^^'...rs), agridoce, autodidata, preguiçosa, tímida, nostálgica, crítica, incentivadora(minhas orelhas ainda doem, viu?!x), pensativa, distraída, ambígua(indubitavelmente), agnóstica, tresloucada, letárgica, perfeccionista, filósofa e filóloga(afinal, criastes um dialeto próprio e, além de writing and speaking english very well, domina como poucos o élfico – decerto sua língua-mater), espontânea(P**** mano!¬¬rs), mas sobretudo uma senhorita”estranhamente”encantadora; alguém cuja a inteligência, graciosidade e criatividade intimida, encanta e inspira respectivamente. Muito obrigado pelo “Antes”, “Nah”e quiça o”Depois da chuva” - >***** Sally!xD
Para maiores informações visitem:http://www.enkrateia.blogger.com.br/
quinta-feira, 30 de agosto de 2007
AMANTES E OPOSTOS
ADENDO – AGRADECIMENTOS, AFINS E PROVOCAÇÕES
A fotografia acima é do acervo pessoal de um grande(mede 1,80 mais ou menos) amigo, Franco(no nome), bipolar, biólogo(e salva-vidas de cágados), crítico feroz, inquisidor(não cansa-se de me pôr na fogueira), amador e fotógrafo de cartões-postais(nessa ordem mesmo), camponês, socrático, canhoto(não fala"direito"!OPS!Digo com o hemisfério cerebral direito¬¬), egocêntrico(sim – ele acredita veementemente que é virtuoso, afinal, a auto afirmação é importante), pentelho, dançarino, pastor(não, ele não é protestante, tampouco cristão), poeta e shinigami, amante da primavera(e da Gertrudes e da Cotinha...),quixotista, devaneador(o mundo de Bobby é pequeno para ele), falastrão(sua verborragia é comparável a de Mervin Pumpkinhead)varredor de folhas e outras características que a face esculpida em cerne impede-nos de ver. No entanto, possuí suas qualidades ocultas(os que descobriram levaram o segredo para o túmulo¬¬)Enfim, é o melhor(e único)fotógrafo de paisagens que conheço; alguém que respeito e admiro consideravelmente(não achou que pegaria leve contigo, achou?!)Caro comandante(vulgo Naki), minha palavra com oito letras começando com”O”!:)
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
ELA
- Procurem-na no jardim outra vez. Ela não pode ter ido muito longe! – dizia o homem alto, sem rosto, vestindo um jaleco branco. Passara-se quatro horas agora.
Existe um lugar onde a Esperança desapareceu. Ninguém sabe para onde foi. Ninguém a viu, tampouco se importa. Não há muros, sequer barreiras tangíveis. Um lugar onde o esquecimento é absoluto. A Lembrança é muito pouco – a Felicidade é quase nada. Um lugar onde os habitantes de”Utopia”enterram seus mortos: sonhos, desejos, lembranças, esperanças e a felicidade de outrora jazem ali. Um lugar chamado”Nowhere”. Estranhamente as ruas de Nowhere não possuem nomes. Também pudera – não precisam. Elas são todas iguais e sempre levam ao mesmo lugar. Não há placas, nem uma direção a ser seguida. Muitos se perderam, porém alguns, poucos e privilegiados decerto, ali enfim se encontraram. Distância é uma palavra que não significa nada ali. Mas os nativos gostam de usá-la. E não era difícil vê-los elaborando maneiras de medí-la - um esforço inútil, vão e tolo. Sofriam do mal”positivista”há gerações. Num lugar assim Ela sobrevivia há treze anos. Pois é fato dizer que viver e sobreviver não são a mesma coisa. A facilidade é benquista. Não coça ou pinica como as dúvidas. Estas sim reais, entretanto,
Oras!Deixa disso menina!Estas tolices só servem para deixar sua cabecinha confusa!Hmpf!” – seu pai esforçara-se para não rosnar enraivecido. Todavia, isso não fora suficiente para arrefecer seu ânimo, afinal, ainda restava sua avó. Provavelmente a experiência acumulada ao longo dos anos, seria de vital importância agora. No entanto, sua avó esquecera o significado da inscrição. Infelizmente ela não era a única. Não havia uma única criatura que soubesse lhe explicar o significado do hieróglifo. Havia até àqueles que se sentiam ofendidos com a indagação(anciãos que tomados pela estagnação intelectual e monotonia local, praguejavam contra o que consideravam, manias perniciosas dos jovens da época). Haviam criado raízes e estavam demasiado velhos para mudarem. Mudança significa renovação – ao menos possuíam um pretexto Ela pensou. Abatida, Ela suspirou, seus lábios exibiam um misto de ironia e tédio – decerto resultado do sorriso camuflado pelos dedos esguios no rosto. Nos seus olhos tingidos de castanho amêndoa, podia se ver o reflexo daquela inscrição difusa que encontrara dias atrás. O Tempo movia-se na ponta dos pés – ele não passava; durava!. Quando Ela caminhava para a sala do desassossego, uma criaturinha atravessou o corredor fazendo um som muito esquisito. Parecia-lhe familiar...Era familiar. Aproximou-se e logo”Sad”estava debaixo de seus pés fazendo cócegas com o bico. Pegou-lhe pelo dorso, alisou-lhe carinhosamente, colocou-lhe no parapeito da janela e, enfática disse:- Sad o que significa esta inscrição? – Ela olhava fixamente para seus olhinhos. Sad tinha olhos pequenos, de um negrume e brilho similar ao de jabuticabas maduras. Sad assustou-se, fez alguns sons inaudíveis e incompreensíveis – era mudo de nascença; não cantava e não aprendera a voar ainda. Sad parecia desconfortável com sua indagação. Ela gentilmente agradeceu, pegou-o na mão e beijou-lhe a cabeça. Naquele fim de tarde Ela sonhou acordada. Devaneios levaram-na a uma terra desconhecida. Na entrada havia um arco e o que parecia ser um guarda. O guarda usava um casaco azul com lapelas douradas e um chapéu-coco verde-musgo. A figura dele era demasiado extravagante decerto. Ele pedia gentilmente para os viajantes, já cansados pela extenuante viagem, que jogassem fora tudo que traziam nas mochilas pesadas: sonhos, desilusões e esperanças, nada disso poderiam carregar se quisessem seguir adiante. Qualquer coisa que pesasse mais que a Liberdade não seria permitido. Em certo momento do sonho, Ela viu o guarda fazer-lhe uma reverência honrosa e desaparecer numa névoa densa. Depois daquele dia Ela ficou meses dormindo.Embora estivesse acordada, as vozes do mundo externo não lhe alcançavam. Os pais adotivos temiam que seu maior segredo fosse revelado. Ela descendia de uma linhagem nobre. Era a décima sétima representante de uma antiga dinastia. Aflitos com o estado catatônico dela, consultaram médicos, curandeiros, até supostos”feiticeiros”sem muito sucesso. Ela parecia não se importar – podia vê-los, mas não podia ouví-los. Mais tarde não conseguiria vê-los também. Sad arrepiava-se, ensaiava protestos e, cabisbaixo voltava para o parapeito da janela. Cinco anos se passaram, Ela recobrou a consciência, porém não era mais a mesma. Escondia algo. Notou diferenças sutis na decoração do seu quarto. Caminhou ainda sedada até um corredor com paredes brancas e cheiro de desinfetante, chamou por alguém, mas ninguém respondia. Tonta sentou-se no chão, os cabelos cobriram seu rosto e, com espanto e alegria, contemplou maravilhada o anel no dedo franzino e pálido. Algumas horas depois Ela estava outra vez no quarto. Não lembrava-se como chegara ali. Abriu as janelas e ficou horas à fio ali, inerte, esperando alguma coisa – observando as cores do crepúsculo. Via insetos multicoloridos sobrevoarem o telhado e, como se estivesse vendo todas essas coisas pela primeira vez, sorria. Esperava o dia em que aprenderia a voar também. Ela passava as manhãs assim; as tardes dançando descalça e sozinha, copiando caprichosamente os rodopios repetitivos da bailarina presa à caixinha de música. À noite abria as cortinas do quarto e desenhava constelações usando o dedo indicador. Às vezes tocava as paredes de vidro, encostava o rosto nelas, e sorria para a jovem encantadora do outro lado. Um dia enquanto Ela mexia uma xícara de café, ouvindo o tic-tac entediante do relógio cuco, assimilando o aroma do líquido fumegante e identificando padrões em seu movimento, ouviu um barulho na janela. Havia uma ave negra no parapeito. Ela se aproximou e disse-lhe:
- Poderia me emprestar uma de suas penas, caro amigo?
5:30 da tarde eles entraram no seu quarto. Estavam atrasados. Não havia sinal de sua presença. A janela estava aberta; havia marcas de pés no parapeito e o café na xícara estranhamente permanecera quente. Vasculharam o armário, as gavetas, até encontrarem um bilhete debaixo da caixinha de música. O nanquim ainda estava fresco. Nele Ela escrevera: ”Voltei para casa”. Olhando o canto do verso fizeram uma nova descoberta. Ela não era ela. Ela era Ana Maria Paula Mariana, Ana Júlia Maya Juliana, Ana Lúcia Ângela Luciana, Ana Flávia Alessandra Alana, Ana Rosa Maria Rosana, Ana Flor Bela Adriana, Ana Maria Cristina Cristiana e tantas outras Anas, Marias e mulheres que buscam uma identidade.