Anesthesia era uma cidadezinha situada nos limites de Nowhere e Anything. Estimava-se que a população já ultrapassara a casa dos 15.000 habitantes. Embora as autoridades locais negassem, ainda haviam resquícios de um pseudocoronelismo velado na administração vigente. O prefeito defendia-se dizendo que tratava-se apenas de intrigas da oposição. A primeira dama com o bom senso que é inerente as mulheres, aconselhava-o a contratar um novo assessor de imprensa. A sensatez é uma qualidade feminina. O artigo comprova a afirmação. Como toda cidadezinha que se preze, Anesthesia possuía botecos(poderia encontrá-los em qualquer esquina. Caso não encontrasse, eles encontrariam-lhe), farmácias, mercearias, padarias, um posto de gasolina, locadoras de vídeo, um supermercado, além dos estabelecimentos típicos à qualquer cidadezinha do interior. No ocaso do dia via-se pessoas sentadas na calçada, divagando a respeito da vida alheia, donas de casa lavando roupas, estendendo-as em varáis improvisados, homens lavando carros, crianças empinando pipas, jogando calçados pelo cadarço a fios de alta tensão - Enfim, ali encontraríamos tudo que pudesse ser encontrado numa cidadezinha chamada Anesthesia. Tudo. O ar de Anesthesia estava impregnado de provincianismo há anos. Os dias eram longos e extenuantes. As noites curtas demais para sonhar; sempre mudas, o que perturbava demasiadamente Anna. No silêncio podia ouvir seus pensamentos. Eles cheiravam ópio. Os cães vira-latas não faziam nenhuma objeção a lei do silêncio.
Anna sentira-se entediada pela manhã e indagava-se por quanto tempo ainda sentiria-se assim. Dobrou uma esquina e avistou a padaria”Dreams Store”. Talvez não fosse má idéia comprar alguns sonhos. Sonhos...Não tinha muitos, mas neles era muitas. Anna agora lembrava-se de uma antiga revista que lera:”Quando você sonha, às vezes você se lembra. Quando você acorda, você sempre se esquece”. ”Sonhemos acordados então”, Anna resmungou indignada. Ela existia, e isso bastava-lhe – pensou ponderada. Nostálgica, lembrava-se da época em que tinha sete anos de idade. O pai dissera-lhe certa vez que o número sete significa perfeição. Acariciou o pingente extravagante do colar que usava, abriu a bolsa e, tateando incerta, encontrou alguma coisa no meio dos maços de cigarro usados. Era uma fotografia. A garotinha parecia-lhe familiar. No verso do retrato estava escrito à nanquim os dizeres:”Janeiro 1979 - Anna no balanço”. Anna sorriu para a garotinha e lentamente voltou a caminhar. Era janeiro, tudo era perfeito. Por um momento Anna acreditou que seria feliz. Estava quase certa.