quinta-feira, 30 de agosto de 2007

AMANTES E OPOSTOS

Antes da vida criar forma e as primeiras criaturas habitarem este planeta, o astro-rei era casado com a Lua, mas devido ao comportamento possessivo dele(o sujeito é esquentadinho), a bela dama o abandonou. Dizem as más línguas que a Lua se apaixonou por uma estrela demasiado formosa e sedutora que conheceu perto dos anéis de Saturno. Verdade ou mentira, o fato é que naquele ano não houve uma noite sequer. Os dias foram perpétuos e quentes, muito quentes!. O astro-rei precisava extravasar sua frustração afinal. Do relacionamento conturbado entre a bela dama e o astro-rei, restou apenas um casal de filhos e um acordo de separação denominado dia e noite. O filho mais velho foi batizado de Crepúsculo. Ele puxara o comportamento soturno da mãe. Gostava de flertar com as Damas-da-Noite, que tímidas, exalavam um perfume lânguido e riam faceiras de seus galanteios. Também colecionava lusco-fuscos raros. Já a mais nova, Aurora, era vaidosa e mimada, decerto resultado do carinho exacerbado do pai coruja. Aurora brincava com galos cata-ventos e pipas amarelas; bebia orvalho condensado e maquiava-se com pólen de cerejeiras, no entanto seu maior desejo era que o pai comprasse-lhe um arco-íris de brinquedo. Apesar do divórcio nada amigável, ambas as partes concordaram em dividir a custódia dos filhos. O eclipse solar ou lunar é o reencontro dos ex-amantes – uma recaída temporária. E o Solstício? Como surgiu? Hmm...Realmente não se sabe. Visitem os anéis de Saturno. Aposto que eles possuem histórias para contar – ah, se possuem!.


ADENDO – AGRADECIMENTOS, AFINS E PROVOCAÇÕES

A fotografia acima é do acervo pessoal de um grande(mede 1,80 mais ou menos) amigo, Franco(no nome), bipolar, biólogo(e salva-vidas de cágados), crítico feroz, inquisidor(não cansa-se de me pôr na fogueira), amador e fotógrafo de cartões-postais(nessa ordem mesmo), camponês, socrático, canhoto(não fala"direito"!OPS!Digo com o hemisfério cerebral direito¬¬), egocêntrico(sim – ele acredita veementemente que é virtuoso, afinal, a auto afirmação é importante), pentelho, dançarino, pastor(não, ele não é protestante, tampouco cristão), poeta e shinigami, amante da primavera(e da Gertrudes e da Cotinha...),quixotista, devaneador(o mundo de Bobby é pequeno para ele), falastrão(sua verborragia é comparável a de Mervin Pumpkinhead)varredor de folhas e outras características que a face esculpida em cerne impede-nos de ver. No entanto, possuí suas qualidades ocultas(os que descobriram levaram o segredo para o túmulo¬¬)Enfim, é o melhor(e único)fotógrafo de paisagens que conheço; alguém que respeito e admiro consideravelmente(não achou que pegaria leve contigo, achou?!)Caro comandante(vulgo Naki), minha palavra com oito letras começando com”O”!:)

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

ELA

Um homem e algumas mulheres vestidas de branco desciam as escadas apressadamente. A voz dele destacava-se entre os cochichos das mulheres:

- Procurem-na no jardim outra vez. Ela não pode ter ido muito longe! – dizia o homem alto, sem rosto, vestindo um jaleco branco. Passara-se quatro horas agora.

Existe um lugar onde a Esperança desapareceu. Ninguém sabe para onde foi. Ninguém a viu, tampouco se importa. Não há muros, sequer barreiras tangíveis. Um lugar onde o esquecimento é absoluto. A Lembrança é muito pouco – a Felicidade é quase nada. Um lugar onde os habitantes de”Utopia”enterram seus mortos: sonhos, desejos, lembranças, esperanças e a felicidade de outrora jazem ali. Um lugar chamado”Nowhere”. Estranhamente as ruas de Nowhere não possuem nomes. Também pudera – não precisam. Elas são todas iguais e sempre levam ao mesmo lugar. Não há placas, nem uma direção a ser seguida. Muitos se perderam, porém alguns, poucos e privilegiados decerto, ali enfim se encontraram. Distância é uma palavra que não significa nada ali. Mas os nativos gostam de usá-la. E não era difícil vê-los elaborando maneiras de medí-la - um esforço inútil, vão e tolo. Sofriam do mal”positivista”há gerações. Num lugar assim Ela sobrevivia há treze anos. Pois é fato dizer que viver e sobreviver não são a mesma coisa. A facilidade é benquista. Não coça ou pinica como as dúvidas. Estas sim reais, entretanto,
destituídas da praticidade da razão. Ela estava cansada. Pensava em fugir para qualquer lugar onde houvesse o que achar. Faz-de-Conta não ficava muito longe, mas já haviam tantas pessoas ali, pensava consigo. Não estava lá. Sentia-se estranha. A sensação não era passageira – ela dirigia a sua imaginação. Enquanto escondia-se das outras crianças, Ela encontrou um anel velho e enferrujado, com um brasão encrustado numa pedra(uma pedrinha cinzenta e opaca durante o dia, mas que exibia um brilho azul néon resplandecente a noite), no sótão, abandonado ao lado de caixas de papelão e ferramentas rústicas. O minério responsável pelo estranho fenômeno era desconhecido em toda Nowhere. Havia uma inscrição nele similar a um hieróglifo. Ela nunca vira aquele símbolo ou o que quer que fosse antes; logo, fazia expressões engraçadas enquanto tentava decifrá-lo. Indagou a sua mãe sobre o significado dele. Não obteve resposta. Irresoluta e teimosa, insistiu, mas o máximo que conseguiu foram palavras desconexas. Talvez o pai pudesse lhe ajudar - ledo engano. Ainda ressoava em seus ouvidos a exclamação:”
Oras!Deixa disso menina!Estas tolices só servem para deixar sua cabecinha confusa!Hmpf!” – seu pai esforçara-se para não rosnar enraivecido. Todavia, isso não fora suficiente para arrefecer seu ânimo, afinal, ainda restava sua avó. Provavelmente a experiência acumulada ao longo dos anos, seria de vital importância agora. No entanto, sua avó esquecera o significado da inscrição. Infelizmente ela não era a única. Não havia uma única criatura que soubesse lhe explicar o significado do hieróglifo. Havia até àqueles que se sentiam ofendidos com a indagação(anciãos que tomados pela estagnação intelectual e monotonia local, praguejavam contra o que consideravam, manias perniciosas dos jovens da época). Haviam criado raízes e estavam demasiado velhos para mudarem. Mudança significa renovação – ao menos possuíam um pretexto Ela pensou. Abatida, Ela suspirou, seus lábios exibiam um misto de ironia e tédio – decerto resultado do sorriso camuflado pelos dedos esguios no rosto. Nos seus olhos tingidos de castanho amêndoa, podia se ver o reflexo daquela inscrição difusa que encontrara dias atrás. O Tempo movia-se na ponta dos pés – ele não passava; durava!. Quando Ela caminhava para a sala do desassossego, uma criaturinha atravessou o corredor fazendo um som muito esquisito. Parecia-lhe familiar...Era familiar. Aproximou-se e logo”Sad”estava debaixo de seus pés fazendo cócegas com o bico. Pegou-lhe pelo dorso, alisou-lhe carinhosamente, colocou-lhe no parapeito da janela e, enfática disse:- Sad o que significa esta inscrição? – Ela olhava fixamente para seus olhinhos. Sad tinha olhos pequenos, de um negrume e brilho similar ao de jabuticabas maduras. Sad assustou-se, fez alguns sons inaudíveis e incompreensíveis – era mudo de nascença; não cantava e não aprendera a voar ainda. Sad parecia desconfortável com sua indagação. Ela gentilmente agradeceu, pegou-o na mão e beijou-lhe a cabeça. Naquele fim de tarde Ela sonhou acordada. Devaneios levaram-na a uma terra desconhecida. Na entrada havia um arco e o que parecia ser um guarda. O guarda usava um casaco azul com lapelas douradas e um chapéu-coco verde-musgo. A figura dele era demasiado extravagante decerto. Ele pedia gentilmente para os viajantes, já cansados pela extenuante viagem, que jogassem fora tudo que traziam nas mochilas pesadas: sonhos, desilusões e esperanças, nada disso poderiam carregar se quisessem seguir adiante. Qualquer coisa que pesasse mais que a Liberdade não seria permitido. Em certo momento do sonho, Ela viu o guarda fazer-lhe uma reverência honrosa e desaparecer numa névoa densa. Depois daquele dia Ela ficou meses dormindo.Embora estivesse acordada, as vozes do mundo externo não lhe alcançavam. Os pais adotivos temiam que seu maior segredo fosse revelado. Ela descendia de uma linhagem nobre. Era a décima sétima representante de uma antiga dinastia. Aflitos com o estado catatônico dela, consultaram médicos, curandeiros, até supostos”feiticeiros”sem muito sucesso. Ela parecia não se importar – podia vê-los, mas não podia ouví-los. Mais tarde não conseguiria vê-los também. Sad arrepiava-se, ensaiava protestos e, cabisbaixo voltava para o parapeito da janela. Cinco anos se passaram, Ela recobrou a consciência, porém não era mais a mesma. Escondia algo. Notou diferenças sutis na decoração do seu quarto. Caminhou ainda sedada até um corredor com paredes brancas e cheiro de desinfetante, chamou por alguém, mas ninguém respondia. Tonta sentou-se no chão, os cabelos cobriram seu rosto e, com espanto e alegria, contemplou maravilhada o anel no dedo franzino e pálido. Algumas horas depois Ela estava outra vez no quarto. Não lembrava-se como chegara ali. Abriu as janelas e ficou horas à fio ali, inerte, esperando alguma coisa – observando as cores do crepúsculo. Via insetos multicoloridos sobrevoarem o telhado e, como se estivesse vendo todas essas coisas pela primeira vez, sorria. Esperava o dia em que aprenderia a voar também. Ela passava as manhãs assim; as tardes dançando descalça e sozinha, copiando caprichosamente os rodopios repetitivos da bailarina presa à caixinha de música. À noite abria as cortinas do quarto e desenhava constelações usando o dedo indicador. Às vezes tocava as paredes de vidro, encostava o rosto nelas, e sorria para a jovem encantadora do outro lado. Um dia enquanto Ela mexia uma xícara de café, ouvindo o tic-tac entediante do relógio cuco, assimilando o aroma do líquido fumegante e identificando padrões em seu movimento, ouviu um barulho na janela. Havia uma ave negra no parapeito. Ela se aproximou e disse-lhe:

- Poderia me emprestar uma de suas penas, caro amigo?

5:30 da tarde eles entraram no seu quarto. Estavam atrasados. Não havia sinal de sua presença. A janela estava aberta; havia marcas de pés no parapeito e o café na xícara estranhamente permanecera quente. Vasculharam o armário, as gavetas, até encontrarem um bilhete debaixo da caixinha de música. O nanquim ainda estava fresco. Nele Ela escrevera: ”Voltei para casa”. Olhando o canto do verso fizeram uma nova descoberta. Ela não era ela. Ela era Ana Maria Paula Mariana, Ana Júlia Maya Juliana, Ana Lúcia Ângela Luciana, Ana Flávia Alessandra Alana, Ana Rosa Maria Rosana, Ana Flor Bela Adriana, Ana Maria Cristina Cristiana e tantas outras Anas, Marias e mulheres que buscam uma identidade.