segunda-feira, 30 de junho de 2008
AMÔRNICA: Gostosuras ou Travessuras?
Foi no mês de todos os santos , domingo , durante um festival em que crianças fantasiadas trocavam travessuras por gostosuras . Uma carruagem desgovernada atingiu um poste ; libertando os cavalos que perderam os estribos e as estribeiras . Saíram em disparada , atropelando o velho Sam Hain que passeava distraído pela calçada . O laudo do legista apontou ”atropelamento por eqüinos ordinariamente adestrados “ como a causa mortis. Xavier foi ao velório sozinho . Yai estava indisposta . Xavier demorou mais tempo do que o habitual para arrumar-se. O nó da gravata cansava-lhe. Se havia algum segredo , algo que a maioria dos homens desconhecia e, meia dúzia de gatos pingados privilegiados sabiam, era como se dar o nó numa maldita gravata ! – pensava Xavier. Parentes , amigos , funcionários e puxa-sacos , rodeavam o caixão aberto – onde o defunto devidamente apresentável , exibia a testa proeminente , os cabelos ralos e grisalhos , e alguns hematomas no queixo que o pó de arroz não conseguira apagar . A viúva soluçava alto , amparada pelo ombro do filho único do casal . No ínterim dos soluços , balbuciava impropérios dirigidos aos estranhos , pobres diabos , que aproveitavam-se de sua dor e desgraça para saciar a fome ; embriagar-se com uísque legítimo e importado. Xavier hesitava em cumprimentar-lhe. Apesar de ter cuidado pessoalmente do envio de coroas e outros pormenores do velório , não sentia-se à vontade com a situação . Xavier aproximou-se lentamente da viúva , ensaiando uma espontaneidade ensaiada, mas a voz da mãe de Dominique cancelou sua peça . Ela dizia que a novena começaria e pedia aos parentes e amigos mais próximos , que se reunissem nos fundos da capela . Xavier seguiu, cismado, as senhoras de véu negro , terços e rosários pelo corredor estreito e molhado que desaguava perto de um altar . O filho do Sr. Sam Hain, o advogado e o barbeiro , eram os únicos homens além dele ali . É costume que as mulheres recitem ave-marias enquanto os homens recitam o pai-nosso . Xavier não estava acostumado. Esqueceram de lhe avisar . Suava frio , os olhares reprovadores vinham de todas as direções (“ORAS BOLAS , QUE CULPA TENHO?! – NUNCA FUI COROINHA , PÔ!”) Xavier gritava silenciosamente . Pálido , olhou para o Cristo crucificado. Procurava a saída de emergência . Uma senhora sisuda , cheia dos ”blábláblás e nhem nhem nhens”, começou a tossir compulsivamente . Xavier aproveitou-se da distração ocasionada pela crise pulmonar dela, para furtivamente , num zás-trás, sair dali. Xavier viu o caixão disperso no meio da massa que outrora se juntava ali , aproximou-se, encostou na borda . Fitou o defunto , fixando-se no rosto . A face áustera revelava um homem que não conhecia sutilezas . Não tolerava entretantos , poréns e todavias . Dominique Sam Hain fora assim toda vida . Xavier lembrou-se dos tapinhas nas costas , as pilhérias matinais , as confissões extra-conjugais e todas as coisas que o rei da indústria da morte , o papa dos defuntos , deixara para trás e que agora ele trataria de devolver . Xavier afrouxou o nó da gravata . Fechou os olhos por um minuto . Abriu-os, mexeu nos bolsos da calça e o terno ; encontrou uma moeda . Não bastava para a corrida do barqueiro . As coisas andavam difíceis no inferno , imaginava. Arrancou um botão do terno de linho emprestado. Talvez bastasse para uma corrida até o purgatório , Xavier torcia - não sabia rezar . Colocou o botão sobre o olho esquerdo do defunto . Por fim , pôs a moeda sobre o olho direito . Foi embora sem conversar com ninguém .
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quarta-feira, 25 de junho de 2008
AMÔRNICA: Contra Chronos.
Yai só não superava a vizinha que acordava de manhãzinha para pedir café e açúcar emprestado, com um sorriso no rosto tão verdadeiro quanto uma Mona Lisa de Picasso. A estranha chamava-se Joana e tinha uma aversão inexplicável as consoantes : oiii, ééé, iiii, oooo, uuum compunham a maior parte do seu vocabulário social . Vestia um robe curto , vermelho e insinuante , carregava uma xícara e um jornal nas mãos . Trocava de namorado toda semana – Yai contara. Quando ia para o trabalho , Yai voltava a esbarrar com ela no corredor . Xavier a evitava. Por sorte (claro ! Pois não há melhor definição obviamente) o elevador enguiçava durante a semana inteira . Uma placa indicava:”Elevador em manutenção "– Xavier descia pelas escadas sem olhar para trás - era melhor correr dos riscos . Yai apressada , esbarrava nos outros moradores, desculpava-se com um perdão , despedia-se abruptamente e voltava a apostar corrida com Chronos. Estava no calcanhar dele outra vez . Esgotara seus créditos no último mês . Precisava apressar-se e o Tempo era um trapaceiro . Yai trabalhava numa clínica médica , na seção de radiologia há 9 meses. Era praticamente um serviço voluntário , já que o salário mal cobria suas despesas , no entanto fora a melhor opção que encontrara. Não fora difícil escolher , recém-formada, não tinha muitas opções . Ali , 6 meses atrás , conhecera Xavier. A princípio Yai dissera para Xavier que caso ele estivesse à procura de um coração , estava no lugar errado – a seção de cardiologia ficava do outro lado , um pouco mais para a esquerda . Xavier usou cantadas bregas , presentes e pedantismo para convencê-la do que sentia. Yai não achara-o atraente , ria e, como estava sozinha e o rapaz era ao menos engraçadinho, resolveu continuar a história . Uma história repleta de vírgulas , parênteses , reticências e travessões . Ela ainda guardava na gaveta da cômoda , no meio de calcinhas , envelopes , cartas e cartões-postais, a chapa que continha o raio-x do primeiro beijo deles .
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Imagem by Google. Continua...Lálálá rs.
sexta-feira, 20 de junho de 2008
AMÔRNICA: Nós Quatro.
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Imagem by Google. Continua(again?)...
segunda-feira, 16 de junho de 2008
AMÔRNICA: Dois.
Yai adorava espuma de café com chantily, caramelos , all-star preto de cano longo , cheiro de naftalina , um vestido marinho com bolinhas brancas e o broche de São Longuinho, achados num brechó perdido, e dançar tango com a tábua de passar roupas . Xavier preferia cães e o programa de perguntas e respostas que passava sábado à noite . Xavier e Yai dividiam o apartamento minúsculo com um cão São Bernardo chamado Francisco. Às vezes , ”Chico" (como Xavier apelidara-o carinhosamente ), tinha surtos de claustrofobia . Um pacote de jujubas , alguns afagos e um passeio pelas redondezas faziam parte da terapia . Xavier não sofria de claustrofobia , entretanto , escadas rolantes e elevadores provocavam-lhe calafrios . Antes de mudar-se definitivamente , fez várias perguntas a respeito da segurança dos elevadores do prédio . O síndico respondeu com ”claros, pois nãos e obviamentes”. Neste dia , à noite , logo após a sobremesa , Xavier teve pesadelos horríveis . Sonhou que ratos , inquilinos indesejáveis do 209, aglomeravam-se na forma de uma tesoura ; roíam e rompiam o cabo do elevador . “Bom , este foi mais original do que ser enterrado vivo , não ?!” – ria nervoso , enquanto contava para Yai o ocorrido no café da manhã . Xavier realmente detestava elevadores – e balas com gosto de xarope . Yai não gostava de cães . Tolerava-os. Chico costumava confundir os abajures com postes – mijava neles, molhando o carpete (odiava os persas !) transformando o que antes era uma sala num banheiro underground . Yai ficava cricri quando flagrava-o mordendo, mastigando, fazendo cracks e crecks com os duendes , fadas e bruxas de cera que ficavam na sala , em cima da mesinha de centro . Ela tolerava as peripécias dele porque sabia que o amor exigia concessões , impunha condições , tinha seu preço . O dela tinha preço , nome e pêlos . Xavier prometera-lhe que assim que pudesse, compraria um osso de borracha para Chico num pet shop.
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