quinta-feira, 26 de março de 2009

AO LADO DE/PERTO DA/EM FRENTE A

Ele procurava informações, não conseguia nada digno de nota. Tinha apenas a carta contendo a convocação para o exame, o endereço anexo, nenhuma informação adicional; alguma coisa que pudesse orientá-lo, dar-lhe um "norte"de verdade. Ele estava ficando nervoso. Repetia impropérios contra a instituição realizadora do concurso, o local da prova, o calor infernal, tudo - xingava baixinho, como quem diz "estou-irritado-muito-puto-da-vida-e-cansado". Depois de três tentativas frustradas, entrevistas falhas, resolveu perguntar para um senhor, dono de uma banca de jornais. O velho pensou um pouco, sobressaltado lhe passou o nome do ônibus errado, titubeou e se contradisse, lhe dando enfim a informação correta - Ele agradeceu, andou poucos metros e passou a esperar pelo ônibus. Não esperou muito tempo, embora o calor insuportável transformasse toda espera, por menor que fosse, em perpétua e compassiva. Dentro do ônibus pediu informações ao cobrador que se dispôs a lhe ajudar de muito má vontade - o cobrador disse que lhe avisaria, mas que Ele o avisasse com antecedência. Oras, como Ele poderia fazer isso? Não sabia onde se encontrava, quanto faltava até a universidade. Ele teve outra idéia: passou a observar cuidadosamente todos passageiros que ingressavam no ônibus, na esperança de reconhecer algum estudante da universidade. Não deu certo. Ninguém parecia com o que imaginava ser um estudante universitário. Notou a presença de uma garota, muito bonita, com uma pasta na mão, no entanto as roupas dela não pareciam com as de uma universitária, pensou. Avistou outras, mas os trajes despojados mostravam-lhe que estava definitivamente na pista errada. Notou que uma delas não carregava nada nas mãos, mas a mecha rosa no cabelo escuro reteve sua atenção. Ficou ali, olhando para a mecha que desbotava, pedia nova pincelada, mas que ainda despertava nele o fascínio pela beleza das peculiaridades femininas. Durante sua investigação inevitavelmente esbarrou em outros "atributos" da jovem, no entanto prefiro não comentá-los - era só a testosterona fazendo o papel dela. A mecha foi o que lhe manteve distraído até que a jovem saísse do ônibus. Ele viu um quarteirão inteiro tomado por fábricas de manequins. Via manequins de todos os tipos: homens, mulheres, crianças, manequins imagináveis, inimagináveis, passando pelos críveis e incríveis. Alguns estavam mutilados, possuíam só o tronco, outros foram decapitados, outros só tinham os membros inferiores e não era difícil encontrar versões da Vênus de Milo em cera ali. A viagem demorou bastante - Ele ainda desceu meio quarteirão depois da universidade, graças ao cobrador "muito prestativo" que se esqueceu e lhe esqueceu também. Ele pediu novas informações, encontrou a rua, o prédio errado, deu meia volta e finalmente alcançou os portões da universidade. Confirmou o endereço, voltou satisfeito, não sem antes fotografar as redondezas - caso precisasse se orientar usaria as fotos do celular; pareceu-lhe uma grande idéia a princípio, depois viu que não era nada especial - seria se Ele fosse um investigador, detetive de alguma série ou filme estrangeiro talvez. Teve problemas na volta, pegou o ônibus errado, o que custou-lhe muito tempo em caminhadas até a descoberta da linha de metrô mais próxima. Ele podia ter perguntado ao cobrador, este parecia mais receptivo que o anterior. O sujeito usava óculos escuros comprados no camelô e cantava os versos de algum "pagode mauricinho" - Ele achou melhor não interrompê-lo. "Este cara não pode ser minha fada madrinha", presumiu. Precisava de uma bússola, não tinha dinheiro para um GPS e não sabia se empresas de tecnologia experimental lhe aceitariam como coba, digo, voluntário no implante de um GPS interno. Ele teria que sair de madrugada no dia da prova, assim não correria o risco de se atrasar e ser desclassificado logo de cara. Se bem que ficar horas sentado, ver o sol nascer retangular, não é era nem um pouco poético...Nem um pouco mesmo! Mas quem disse que seria? Faria o possível e torceria pelo o que é bastante improvável, mas não é impossível.

quinta-feira, 12 de março de 2009

ESTÉREO

Lado Esquerdo:

Depois de muito tempo Ele voltava a escola onde concluira o ensino médio. Não havia tempo para prolongar nostalgias, visto que só estava interessado no seu histórico escolar. Enquanto a secretária(que curiosamente fora da turma dele)procurava por seu nome em pastas recheadas de arquivos empoeirados, uma professora notou a movimentação, aproximou-se da bancada e perguntou ao estranho se Ele fora seu aluno no passado. Ele respondeu depois de pensar 1/4 de minuto, que não, não lembrava dela - ela frustrou-se um pouco com a frieza do estranho. A secretária confirmou a história dele. A professora insistiu, perguntou se Ele tinha irmãos, se estes foram alunos dela. Ele deu o nome de seus irmãos, ela então se adiantou: disse que eles foram seus alunos e que conhecia muito bem um deles - Daniel, o irmão caçula. Havia um misto de desafeto e nostalgia na voz dela. Só então Ele reparou nos detalhes, foi além do cabelo loiro, as rugas bronzeadas que moldavam os olhos amendoados insinuantes da professora. Ela já atravessara a marca dos 40, mas mantinha-se vistosa e vaidosa, vestia uma calça jeans de um número menor, usava um batom vermelho-luxúria, sapatos pretos de sato alto e uma bata preta que destacava o decote avantajado. Ela lhe perguntou se Ele morava ali mesmo ou na capital, nunca o vira antes segundo ela. Ele achava aquela conversa toda muito estranha, mas entreteve a professora até a secretária encontrar o dito histórico cujo o valor tornara-se indispensável - sem adiamentos Ele se despediu. No ponto de ônibus lembrou de uma coisa: cerca de dois anos atrás, na época em que seu irmão caçula preparava-se pra concluir o segundo grau, chegou aos seus ouvidos um boato: aparentemente o irmão caçula se envolvera com uma professora. Juntando as peças do quebra-cabeças ficou fácil entender como seu irmão mantinha a média escolar sempre alta em algumas disciplinas(ahh moleque safado!) Talvez fosse paranóia, quem sabe estivesse superestimando as cafajestices do irmão, dando-lhe novas proezas, mas os olhos dela lhe deixaram com uma pulga atrás da orelha.

Lado Direito:

Ele resolvera dar uma folga as dúvidas. Pouco menos de uma hora depois, chegou a cidade escolhida, entregou o histórico escolar a diretoria de ensino responsável. Restava esperar a avaliação final. Caso lhe aprovassem haveria o processo de seleção de escolas que dependia primordialmente da colocação final do candidato. Podia ser enviado a uma escola rural, local onde os pais lhe chamariam de "cumpadê" e os alunos de "primo". Bastava se esforçar, dedicar-se com afinco e afetação, que ganharia bolo de milho caseiro toda semana. A troca do boné por um chapéu de palha pode lhe ajudar, assim se "enturmaria" mais rápido, imaginou...Só então pensou: também podiam lhe enviar pra alguma escola barra pesada, local onde pais lhe ignorarariam e alunos lhe chamariam de "mano", lhe ofereceriam um "bagulho" na hora do recreio. Desistiu. Não adiantava, aquelas suposições não o levariam a lugar nenhum. Acenou pro ônibus que vinha, ligou o mp3 e desligou-se delas.