sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

NAH CHUVA MAIS UMA VEZ: Mensagem Numa Garrafa...

- Tudo bem, tudo bem, mas você nunca ouviu o que dizem, que não se deve falar com estranhos, moça? – os olhos do estranho olhavam para os de Nah fixamente. O olhar dele intimidava Nah, entretanto, o choque inicial passara e ela já podia lidar com aquilo sem apelar para os óculos escuros na bolsa.

- Sim, já ouvi...Bastante. Minha mãe fez o dever de casa direitinho. Ensinou-me isso e muitas coisas, mas sabe, nunca entendi direito, talvez não devesse ter matado tantas aulas, whatever...Entende? – Nah não entendia porque estava contando tudo aquilo para um estranho, porém não se sentia mal com a idéia.

- Não, não entendo moça, desculpe: sou órfão.

- Sinto muito, eu não queria...- Nah ficara muito constrangida. Os cálculos da distância que separavam a calçada de seus pés se somavam a outros pensamentos desconexos. O estranho percebendo seu constrangimento, disse:

- Mas minha avó sempre me dizia isso também.

- Sério?! – Nah disse, surpresa.

- Não, não é sério moça. Menti para fazer...- antes que o estranho terminasse, Nah disse em uníssono:

- “Com que se sentisse melhor” – os dois riram ao mesmo tempo.

- Obrigado...Estranho. Devo te chamar assim ou você tem outro nome, rapaz? – Nah indagou sorridente.

- Ah perdão! Onde estão meus modos? Prazer sou o Away, mas pode me chamar de estranho se preferir – Way estendeu sua mão, apertou desajeitadamente a de Nah e recuou dois passos.

- Prazer, me chamo Nah Away, ou estranho “anyway” – Nah e Way riram de novo. Um riso tenso, nervoso, que consumia o que fora dito nos últimos três minutos.

- Então, agora que esclarecemos os desentendidos, poderia me dizer o que são aquelas cartas, Way? – Nah apontava o dedo na direção das que ainda podiam ser vistas dali.

- Nada especial...Versos roubados, canções de amor emprestadas, filosofias inventadas...Nada que mereça muita atenção, creio – Way disse num tom profundamente melancólico. Nah virou-se, apoiou o cotovelo sobre o parapeito do viaduto, olhou para Away, colocou o punho debaixo do queixo e disse:

- Parece legal. Way, acho que gosto de mentiras bonitas! – Nah voltou seu olhar para as cartas, com um sorriso na ponta dos lábios e o entusiasmo impresso nas sobrancelhas. Away esboçou um sorriso borrado, apagou-o ligeiramente, lembrou-se de Shakespeare, um dos charlatães mais brilhantes que conhecera, abriu a palma da mão, inclinou os dedos como se segurasse um crânio imaginário e disse declamando, num tom demasiado cômico:

- Não são mentiras madame; são verdades vencidas!

- Pois bem, que assim seja cavalheiro! – Nah embarcara na Caravana de Devaneios de Away.

Os guichês da estação reabriram, o alvoroço cessou, Nah despediu-se de Away apressadamente, apertando o passo e os pés para comprar o bilhete de embarque a tempo. Comprou o bilhete, arrependeu-se uma duas três vezes - relutava em cruzar a catraca quando a Sorte atendeu suas súplicas silenciosas:

- Nah! – disse Away. Nah parou, respirou fundo, virou-se e disse gastando a simpatia racionada do dia:

- O que foi?

- Você esqueceu isso – Away entregou um guarda-chuva preto para Nah. Ela agradeceu envergonhada, depois de alguns passos acenou e disse tchau timidamente. Nah sentia-se meio estúpida por encerrar a conversa assim, sem um posfácio, uma troca de telefones, email’ s, enfins sem afins, contudo não havia mais tempo. Passaram-se uma semana, duas, três, um mês talvez, o estranho não deixara nenhum vestígio de sua presença na estação. Nah já desistira de persegui-lo em sonhos, ruas, rostos, avenidas e esquinas, quando notou a presença de um objeto de plástico no parapeito onde conversara com Away. Aproximou-se, apressadamente pegou a garrafa de água mineral vazia e a abriu: ela continha um bilhete em papel-cartão que dizia “Away - Mentiras sob Encomenda”, e um número de telefone abaixo. Nah sorriu sozinha e solene, lendo o recado no verso do cartão, riu demasiadamente – ele dizia: “Faça um pedido, mas não ESFREGUE a garrafa!”.

domingo, 11 de janeiro de 2009

NAH CHUVA MAIS UMA VEZ: O Lá!

Ela normalmente dar-se-ia por satisfeita, mas o estranho no corredor parecia lhe desafiar; pedia que Nah transgredisse suas convicções. Nah aproximou-se do estranho, aproveitando o tumulto causado pelo fechamento repentino dos guichês da estação. O sujeito não notara a presença dela – continuava com os braços sobre o parapeito do viaduto, olhando para as cartas que se afastavam rapidamente. Nah estava à cerca de um metro e meio dele, do lado direito, apoiada sobre o mesmo parapeito - uma distância que considerava socialmente segura, afinal, se havia uma lei em que acreditava era a que dizia que dois estranhos não podem ocupar um espaço comum menor que um metro ao mesmo tempo. Nah abandonaria seu ceticismo aos poucos, deixando um pedacinho de lógica ali, um bocado de razão pra lá:

- Você sempre faz isso? – Nah se arrependera até o último fio da mecha roxa do cabelo pela indagação. De onde Diabos tirara aquilo? De algum manual de regras de etiqueta em liquidação? Nah envergonhara-se...Muito. Media com os olhos a distância que separava a calçada de seus pés. Respirava com alguma dificuldade, cabisbaixa, encarando as meias bicolores das pernas que tremiam. Tentava se acalmar contando mentiras para si mesma (“talvez ele seja surdo”, “quem sabe estava tão distraído que nem percebeu”, “ele é autista, isso!”, ”UFA! Essa foi por pouco dona Nah”) – Nah parecia mais tranqüila. Quando estava pronta para partir, a voz do estranho chegou até seus ouvidos:

- Não, só quando eles não estão olhando – o estranho apontava para alguns sujeitos vestidos com um uniforme laranja, sentados nos bancos de uma padaria, tomando café e assistindo o noticiário – o estranho não mudara de posição. A voz dele era grave, baixa e ele falava pausadamente, tomando cuidado para não atropelar seu léxico.

Depois de investigar por um instante os arredores, ele virou-se para Nah, olhou para a bolsa que ela carregava, a roupa dela e as meias bicolores - estas prenderam sua atenção durante meio tempo. Disse num tom de voz ainda mais baixo, como se estivesse contando um segredo e temesse ser descoberto a qualquer momento:

- Você é um deles? – os olhos do estranho repousavam sobre as meias bicolores de Nah. Nah respondeu abruptamente, rindo:

- Não, não sou um deles! – Nah não conseguia olhar para o rosto do estranho seriamente. Depois de se refazer prosseguiu:

- Olhe, nem estou vestida de laranja.

- Nada a impede de ser uma agente disfarçada ou estar à paisana – o estranho parecia perturbado. Nah não acreditava naquilo, o sujeito estava mesmo falando sério.

- Eu não sou uma agente disfarçada nem estou à paisana, então pode se acalmar, tá? – Nah evitava rir, mas a Ironia estava perto, muito perto, escondia-se na prosa e gestos.

domingo, 4 de janeiro de 2009

NAH CHUVA MAIS UMA VEZ: Estranhos Conhecidos.

Nah mais uma vez esperaria pela revanche. As discussões continuaram, os empates técnicos também, até o dia em que Nah desistiu de convencer a mãe que a menina-moça já era uma mulher. Trancou a faculdade de Pedagogia, arranjou trabalho numa empresa de eventos e alugou uma casinha, do outro lado da cidade. Ali não precisaria se preocupar com as meias espalhadas pela sala, as barras de chocolate vencidas no armário e nem prestaria contas sobre a origem e condições financeiras de um novo namorado. Nah gostava da nova vida; do cheiro de sabão em pó da lavanderia, dos milk-shakes de ovo maltine sem restrição nos finais de semana, dos copos de café e disposição na padaria da esquina, de dormir com a televisão ligada, vendo documentários e reportagens investigativas, andar seminua de madrugada pela casa ou passar a manhã inteira enrolada numa toalha de banho, conversar com Margô, uma mandrágora cultivada no jardim guardado por gárgulas de gesso, e Dorothy, uma guitarra strato vermelha, que passava horas no colo de Nah – enquanto ela sentava-se na frente do espelho, em cima do tapete rubro cheio de velas e marcas de cera, tocando e compondo iê-iês e lálálás - excentricidades que ela preferia manter em segredo, longe do olhar de terceiros. Nah provava as coisas casuais e corriqueiras, sem pressa e moderação, sentindo-se mais e mais lúdica a cada pedacinho de trufa arrancado suavemente, enquanto ia-e-voltava-e-ia do trabalho. Nah ampliara seu círculo social significamente, conhecera gente muito interessante, gente muito estranha, gente de verdade também (um rapaz que vendia balas de goma nas ruas, uma senhora com seus quitutes, um senhor que anunciava as frutas de sua barraca com apitos e um megafone...) Mas ninguém, ninguém mesmo, parecia com aquele sujeito engraçado que conhecera no viaduto que dava acesso ao corredor da estação de metrô. Ele parecia completamente indiferente ao espaço e tempo que o cercava, olhando para as pessoas que marchavam lá embaixo, em direção a seus quartos-hotéis, deveres e afazeres (quem sabe, talvez, mais um dia, outra vez, que seja) O rapaz tinha a barba por fazer, olhos pretos e o cabelo castanho escuro brigara com a escova de manhã; vestia um jeans desbotado e uma camiseta preta de uma banda underground que menos de 0,3% da população mundial ouvira falar, e calçava sandálias pretas que exibiam os pés pálidos – ele carregava uma mochila transversal e volta e meia, pegava a garrafa de água mineral guardada nela, dava alguns goles e a colocava de volta. Tirava um bloco de notas da bolsa, rabiscava algumas coisas ilegíveis, dobrava cuidadosamente as folhas, transformando-as em envelopes muito pequenos, com asas nas bordas e lançava-os no ar – o vento se encarregaria de levá-los embora, entregar as cartas endereçadas a alguém. Nah observava as cartas espalhadas no ar e com um alumbramento raro, imaginava o que o rapaz escrevera em cada uma delas: poemas, canções de amor, manifestos políticos, filosofias de rodoviária, versículos, pedidos de socorro, mensagens subliminares(aretècte e siat!) e muitas outras coisas passeavam por sua cabeça.

P.S: "É, essa semana demorou mais que o esperado pra chegar - problemas técnicos e uma indisposição costumeira atrasaram o processo"...(Di' stante Enfim em nota não-oficial)