sexta-feira, 14 de novembro de 2008

24 de SETEMBRO

Enquanto voltávamos ao percurso habitual, trombamos com a tia dele por acaso(mundo congestionado!); uma senhora simpatisíssima diga-se de passagem, que nos ofereceu comida(segundo ela uma sopa deliciosa nos aguardava se aceitássemos) - recusamos, ela insistiu, pediu que comêssemos um lanche, tomássemos uma vitamina pelo menos, mas não mudamos de idéia. Estávamos cansados, abatidos, o entusiasmo perdera-se em alguma esquina lá atrás. Visitamos um cinema que a simpática tia de meu comparsa indicou, mas a próxima sessão demoraria umas duas horas e não tínhamos disposição pra uma sequer. Nos despedimos da simpática senhora que mais parecia uma avó saída de algum conto infantil, daquelas que fazem bolinhos de chuva e contam histórias pros netos, tamanha a afabilidade. Caminhamos cerca de meia-hora, até lembrarmos da recomendação dada pela simpática senhora(acredite, mesmo que eu soubesse o nome dela, ele não a descreveria melhor): ela nos mostrou um ponto e o horário onde poderíamos pegar um ônibus que nos levaria direto pra casa, sem rodeios e baldeações. Não conversamos muito na volta, estávamos imersos em nossos próprios mundos particulares; ouvíamos música, de vez em quando ríamos sozinhos, nada digno de mais um parágrafo . Meu comparsa sugeriu que eu fosse a casa dele ainda, tomar alguma coisa, esticar a conversa, mas eu só pensava em esticar minhas pernas - recusei a oferta, nos despedimos e sabíamos que cada um trazia na mochila mais do que embalagens de barras de cereais e uma garrafa de água vazia.

sábado, 8 de novembro de 2008

24 X

Desistimos e voltamos a caminhar. Se ao menos tivéssemos lancheiras, teríamos alguns sanduíches de mortadela(atum em dias melhores) Ríamos da idéia de uma excursão escolar frustrada - o ânimo definhava, mas restava-nos uma fatia de humor. Vimos um cemitério enorme, parecia uma cidadezinha de mortos e, embora pareça bizarro, o lugar era muito bonito. Tumbas, câmaras mortuárias, criptas, lápides, jazigos, capelinhas e todo tipo de arquitetura gótica e renascentista, às vezes com inscrições em latim(a língua dos mortos), dividiam espaço com ipês amarelos e roxos. Me perguntava como seria sugestivo o nome das localidades ali: rua das Lamentações, esquina da Redenção, alameda dos Anjos, bairro dos apóstolos e uma infinidade de bobagens iam-vinham-iam à minha cabeça. O que nos impressionava era o tamanho do cemitério - nos perdíamos na vastidão dele. Entramos pelo portão dos fundos, suponho que não há ou havia um vigia. A tranqüilidade que senti naquele lugar é indescritível. Olhávamos, fotográfavamos, imaginei se as fotos revelariam alguma manifestação espiritual/ ectoplásmica, contudo percebi que isso não passava de um roteiro de filme B tailandês - até arrisquei algumas notas no violão, depois de olhar a minha volta e perguntar com os olhos pro meu amigo se "eles se importariam". Vi gatos, muitos deles, formavam um tipo de gangue e nos observavam curiosos a distância. Fotografei alguns, não era fácil, eles fugiam quando me aproximava - imagino que não gostem de paparazzos. Havia algumas folhas secas(pedaços de Outono)em cima de alguns túmulos; imagens de santos e santas, esculturas, o tradicional Cristo sôfrego, flores de todas as cores, cheiros e preços, retratos antigos em sépia ou preto e branco que mostravam homens de bigode, terno e gravata, mulheres com penteados de época, algumas bonitas, outras nem tanto; algumas, raras de fato, exibiam a natureza artística impressa no rosto(talvez fossem cantoras de rádio, atrizes de tv e cinema, poetisas, pintoras, não sei) Muitas morreram jovens, na aurora da vida, o epitáfio me dizia. Havia imigrantes europeus, japoneses, cogitei a hipótese de um Yakuza estar enterrado no meio deles. Procurei famílias com meu sobrenome, não achei nenhuma, quem sabe com um pouco mais de esforço. Quando nos preparávamos pra voltar para casa, meu comparsa avistou uma jovem muito bonita: ela tinha a pele alva, usava óculos escuros, uma blusa preta e calça preta, um coturno preto e uma bolsa cinza coala. Meu comparsa se apaixonou instantaneamente pela gótica - deve ser a primavera, ele fica muito suscetível nessa época do ano. Ele falou bastante dela enquanto voltávamos, fez planos, ensaiou encontros imaginários, escolheu o nome dos filhos que teriam juntos, etc.