quarta-feira, 29 de abril de 2009
VITAE
Hoje ele concebera e imprimira seu currículo - esperou quase duas horas numa lojinha que presta serviços tipográficos variados, daquelas que estampam em todos cantos, retratos e paredes frases do tipo "Não diga a Deus que você tem um grande problema. Diga ao problema que você tem um grande Deus". - "O Senhor é meu pastor, nada me faltará" e "Só Jesus salva " são as variáveis. Os proprietários da loja podiam ao menos ser mais criativos, salutou. Ainda gastou a paciência racionada da semana corrigindo erros cadastrais do atendente - cinco vezes, cinco vezes, o cara abusara da sua escassa boa fé. Distribuiria as cópias dos currículos mais tarde - caso o resultado fosse negativo, apelaria para um amigo, aluno de Letras, cara letrado, calejado e pintado em artes. Ele dizia que podia elaborar um currículo "moderno" usando apenas recortes de jornais e colagens de todo tipo. Ele sabia que precisava fazer com que seu currículo se sobressaisse naquela pilha de papéis de escritório. Também podia usar seus contatos - pedir que alguns amigos dessem uma forcinha, cessassem as hostilidades temporariamente, mentisssem positivamente a respeito dele; inventassem qualidades imaginárias, etc - tudo era válido no momento. Ele sabe que seu currículo não é lá grande coisa, mas não é tão ruim, com um pouco de boa vontade alguma empresa podia lhe contratar pelo "conjunto da obra". Ele teve alguns probleminhas com os currículos impressos naquela manhã - muitos amassaram quando foram colocados na mochila. Tentou colocar uns livros em cima, como peso, o resultado não surtiu o efeito desejado: passaria-os com um ferro quente antes de entregá-los.
sexta-feira, 24 de abril de 2009
CONDICIONAL
Após resolver algumas pendências burocráticas referentes a rescisão do contrato de trabalho, encontra um amigo na cidade, vagam e vadiam a tarde inteira e, não satisfeitos, assim que encontram um amigo em comum dão uma esticadinha até a casa dele. Passam a noite fazendo piadas e brincadeiras bobas, rindo feito bobos de coisas tolas, ironizando seriados antigos que amavam na infância, tomando café, vendo videoclipes e brincando com um esqueleto de brinquedo simpático e um violão velho, muito antigo mesmo, segundo o dono herança de um avô falecido. Quando se dão conta já passava da meia-noite, esfriara muito e garoava. Ele despede-se dos amigos, volta pra casa a pé e a pique, esquecera a blusa e não obstante calculava quais eram as chances de chegar em casa antes que uma hipotermia lhe pedisse carona. Depois de um banho quente, uma pizza requentada, uma escova de dentes desgastada, a água gelada, o mouse, o teclado frio e um rosto conhecido no papel de parede do monitor, resta-lhe a cama desarrumada e quem sabe umas três ou quatro horas de sono.
domingo, 19 de abril de 2009
RONIN
Foi transferido de setor no feudo onde vassalava dia-a-dia. Houve muitas mudanças durante suas férias; muitas cabeças rolaram, uma mulher assumiu a direção e impôs milhares de restrições ditadoriais aos vassalos(entenda-se por antigos funcionários). Ela era uma espécie de Dama de Ferro - de longe lembraria aquela antiga primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher, mas sem a típica elegância britânica. Apesar do comportamento subversivo, indisciplinado às vezes, ele foi salvo com a condição de trabalhar em outro setor e se comportar. Estava mais sossegado desde então; não por causa das condições - desconfiava que colocavam morfina no seu café-da-manhã. O fato é que lá passou a conviver com alguns caras que anteriormente só trombava no corredor. Naquela semana, a tardezinha, logo que voltou de um intervalo, encontrou um dos seus novos companheiros(e comparsas posteriormente) chupando limão com sal. Perguntou a ele como conseguia fazer aquilo - ele respondeu sem pestanejar:"chapa o coco domingo e vem trabalhar na segunda, daí você entende". Poxa, ele nunca imaginara que sal com limão era um remédio caseiro para ressaca. O que pôde imaginar mais tarde foi que químicos espertos patentearam a receita e venderam para as fabricantes do Engov, Sonrisal, Eno(as marcas escolhidas foram as mais citadas numa pesquisa que ele realizou nas dependências do feudo - um em cada três entrevistados; consumidores assíduos de bebidas alcoólicas, pés-de-cana, pudins de pinga, bebuns, paus d' água, cachaceiros, bocas de litro, bons de copo, blábláblá e derivados as citaram) A vitamina C também é um antigripal poderoso - no entanto, isso qualquer aluno do ginásio sabia. Seu novo companheiro(que lhe promovera a camarada em menos de seis horas) lhe ofereceu limão com sal várias vezes: ele, reticente, recusou todas - logo pensou o quão bizarro devia ser o gosto daquela combinação, enquanto esforçava-se para não salivar a contragosto. O cara que lhe oferecera a mistura era um sujeito vulgar, ignorante, grosseiro, mas tinha lá suas qualidades - pena que as lentes gastas dos óculos do camarada reticente não conseguiam enxergá-las direito. O reticente, e renitente de sobrenome, estava certo. Se alguma dúvida existia sucumbira depois daquilo, dera ali o último suspiro. Ele estava cercado dos exemplares mais estranhos da raça humana. Às vezes, se sentia num reformatório medieval. Todavia, não sabia bem o porquê nem explicar o que o fazia se sentir em casa.
sexta-feira, 10 de abril de 2009
BASEADO NUM LIVRO
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