sexta-feira, 23 de novembro de 2007

"RAIN DOWN...COME RAIN DOWN"*

As chuvas teimosas de Janeiro, mais uma vez encharcavam os sapatos de Niño; molhavam suas meias sujas de lama , entrementes, um resfriado o esperava em casa. Niño evitava os bálsamos de farmácias. Sabia que só precisava de tempo. Sempre fora assim no passado, é no presente, será no futuro. Niño se encolhia no guarda-chuva vermelho. Saiu de si por um instante, voltou seus olhos azuis para o céu: Ele parecia mais feliz outrora(por que Ele chorava afinal?) E com as lágrimas Dele sobre as costas, Niño se afogava em si outra vez.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O PRESENTE DE SATURNO: Estrelas, Ameixas, Anéis e o Fim

A caixa registradora emperrara outra vez. Pela sétima vez naquela semana o rapaz libriano desculpava-se pelo transtorno. Aproveitava o ensejo para sugerir aos clientes que olhassem os artigos em promoção:

- Vai demorar muito? – indagou Laura impaciente.

- Só um minutinho – o rapaz dissera a mesma coisa há quinze minutos atrás. Laura sentiu falta de algo na sacola:

- Vocês tem bolo de chocolate?

- Terceira fileira à esquerda – disse o rapaz libriano sem tirar os olhos da caixa registradora. Laura adentrou o setor de frios e congelados, escolheu um bolo mediano de brigadeiro, mas frustrou-se assim que notou a ausência de cerejas. Dirigiu-se ao caixa:

- Onde estão as cerejas?

- Ah, sinto muito dona! Não temos – a caixa registradora voltara a funcionar.

- No entanto, temos ameixas fresquinhas! – o rapaz libriano sorria espalhafatosamente. Laura arrependeu-se da indagação. Pôs uma dúzia de ameixas na sacola:

- 57, 80 – disse o rapaz libriano. Laura abriu a carteira, retirou duas notas de cinqüenta e entregou ao rapaz:

- Me diz uma coisa: a dona que vive no observatório abandonado? Laura fez uma expressão séria e respondeu:

- Ex-abandonado. Sim, sou eu...Por quê?

- Talvez a dona possa me ajudar – o rapaz libriano franziu a testa.

- Fale – disse Laura.

- Conheci uma moça muito bonita ontem. Ela disse que é de escorpião. Eu sou de libra. A dona que mexe com os astros e estrelas poderia me dizer: vai dar certo? – as bochechas do rapaz libriano ruborizaram.

- Olha...Não sou astróloga rapaz, sou astrônoma – (NÃO BASTARAM AS CHACOTAS NA ÉPOCA DO COLÉGIO, AINDA ISSO AGORA?!) A consciência de Laura se contorcia. Laura cruzou a catraca, virou-se, e vendo o abatimento no rosto do rapaz, disse:

- Ei garoto! Vocês serão muito felizes – sorriu timidamente(só tenha cuidado com o veneno dela) – sua consciência sussurrava. O rapaz libriano, radiante, agradeceu-lhe, olhou para os lados, beijou o signo na corrente de prata e pulou feito criança. Laura saiu da loja de conveniências carregando uma sacola cheia de enlatados, conservas, instantâneos, um bolo de brigadeiro, ameixas frescas e a sinceridade escondida no bolso.

Laura pedalava com dificuldades, o peso da sacola e as pernas longas e finas; cambitos, atrapalhavam o equilíbrio dela. Laura parou numa calçada, sentou-se; ficou observando os transeuntes seguirem a vida – alguns iam na rabeira. Focou sua atenção num poste, imaginou se ele se movera um 1 centímetro ao longo do ano. O cotidiano cerceava sua imaginação. Laura podia imaginar o que viria a seguir, não fosse o Acaso; ele estragaria seus planos, cancelaria a sessão da tarde e lhe faria uma surpresinha:

- Degustaria de ver la jóias?

Laura assustada, virou-se procurando a dona do sotaque hispânico. Ali estava a jovem:

Era bem menor que Laura, tinha cabelos negros e encaracolados até a cintura, olhos cor de terra molhada e a pele bronzeada; usava um lenço vermelho, uma blusa de lã bege com bordados andinos, uma saia preta com babados vermelhos até a altura das botas de camurça marrons. As argolas douradas nas orelhas e pulsos, o piercing prata no nariz e sobrancelha e o colar feito com algas azuis, completavam o visual ultrajante as convenções regionais. A jovem também carregava um case de violão nas costas. Aparentava ter dezesseis – com juros uns dezoito anos. Não falava muito bem o idioma local(combinava as palavras de maneira aleatória) Ela estava longe de casa. É uma cidadã do mundo, uma nômade, imaginou Laura. A jovem ajoelhou-se, abriu o case, revelando um mostruário improvisado: anéis, pulseiras, colares, brincos, jóias e bijuterias na ordem que se desejasse encontravam-se no”Kit Eldorado”. A jovem sorria para Laura exibindo os molares 8 quilates.”A garota é uma cigana desgarrada, provavelmente perdeu-se da caravana e, sem comida e dinheiro, fora forçada a tornar-se uma mascate para não vender-se pelas ruas” – Laura não conseguia teorizar nada melhor:

- Desculpe, não tenho dinheiro – o que restara das compras pagariam o conserto do aquecedor. A jovem pegou um anel dourado, lustrou com esmero e uma flanela branca, abriu a palma da mão de Laura e colocou-o ali.

- O QUE ESTÁ FAZENDO?! – Laura estava confusa.

- Vendo – respondeu a jovem.

- Vendo o quê? Não pedi que lesse minha mão. Menina só tem garranchos aí, não adianta, não descobrirá nada – Laura zombava da jovem, da quiromancia, astrologia, alquímia ou qualquer coisa que lhe parecesse uma”pseudociência”. Subitamente a jovem fechou a palma da mão de Laura e disse:

- Quiero que fiques com ele, bien?! Não te preocupas...Tenho muchos. Hoje é uno dia especial para ti, no?!

- Não posso aceitar...Não tenho como pagar – disse Laura angustiada.

- Las ciruelas – disse a jovem sucinta.

- Hã....Ah, você quer comida? É isso, né?! Posso te dar um pouco se quiser – Laura esforçava-se para compreender o dialeto usado pela jovem.

- Gracias, mas solo as ciruelas já basta-me – a jovem parecia convicta. Laura pensou em insistir, porém o olhar enigmático da jovem condenava suas intenções. Resolveu entregar o saco com ameixas sem maiores”porquês”. A jovem abriu o saco, retirou uma ameixa amarelada, colocou na outra mão de Laura e partiu levando o saco de ameixas, deixando um círculo no lugar e a curiosidade de Laura para trás. Laura só percebeu instantes depois, mas o estômago protestava; precisava voltar para casa - logo, procrastinaria o pensar em quando e como a jovem realizara o truque.

Laura devorava um sanduíche de atum, saboreando-o vigorosamente, enquanto o cappuccino de canela se encarregava de dissolvê-lo. Satisfeita, limpou a boca com um guardanapo, embrulhou-o e arremessou numa cesta lotada de papéis – ossos do ofício. Inclinou a nuca, bocejou, adormeceu debruçada sobre o computador.

O som do lusco-fusco a acordou – o crepúsculo chegara. Laura poderia explorar o espaço livremente agora, sem o engarrafamento de nuvens e aves habitual. Ligou”Galileu”, o obsoleto telescópio soviético, fez alguns ajustes na posição da lente e desceu as escadas. Esquecera de ligar o dispositivo do telhado. O celular tocou, ela reconheceu imediatamente o número – desligou-o sem pestanejar. Ele tentara outra vez. Houve uma época em que desejou cortá-lo em pedacinhos – que um meteorito caísse na cabeça dele ou que fosse sugado por um buraco negro, enfim, mas agora só a ausência dele já bastava-lhe. Ela trocara as mentiras dele por barras de chocolate suíço. Ambas se equivaliam – vinham embrulhadas em papel laminado e eram doces. Se se sentisse carente olharia para o retrato de Newton na estante. Isaac era inteligente, embora fosse mais velho e retrógrado, estaria ali quando ela precisasse. Laura voltou até Galileu, podia-se ler em seus lábios algo do tipo:”Que acha de darmos um passeio pelo infinito, hein?!”. Laura despia a Via Láctea, admirava Andrômeda, identificava satélites fora de órbita, no entanto não encontrava sinal dos anéis de Saturno, tampouco os homenzinhos verdes de Marte. Pensou no aniversário, no bolo de brigadeiro na geladeira, na ameixa e no anel – tinha a estranha sensação de que esquecera algo importante. Foi até a cozinha, abriu a geladeira, pegou o bolo e colocou-o sobre a mesa. Pôs a ameixa com o anel em volta no centro. Acendeu três palitos de fósforo, um a um - apagou-os logo em seguida. Não fez nenhum pedido. Tudo estava em seu devido lugar.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

NÃO É MAIS UMA ESTÓRIA; É HISTÓRIA!

Certa vez, conversava com um amigo a respeito do poder que as mentiras contadas exaustivamente adquirem ao longo dos anos . Afinal, dizem que uma mentira contada várias vezes, transforma-se numa verdade. Acredito que tal afirmação denuncie o descaso que temos com a história. É engraçado, irônico até, que tenhamos conseguido sustentar um sistema político baseado em interpretações tendenciosas de textos históricos. Todavia, tal sistema está fadado a desaparecer - as amarras filosóficas que o sustentavam afrouxaram-se vertiginosamente nas últimas décadas. Acredito que estejamos prestes a vivenciar uma nova era. Entretanto, o que milênios de dogmatismo trouxeram para a humanidade? Além é claro de intolerância religiosa, fundamentalismo filosófico, cruzadas bárbaras, inquisição, o Vaticano(Papado)fogueiras des(h)umanas e arbitrárias(heresia politicamente correta?)indulgências vergonhosas...Só para citar alguns exemplos. A alforria está próxima; não trata-se de otimismo e nem é fé; é fato! Não tenciono criticar católicos fiéis, cristãos ortodoxos, protestantes, muçulmanos ou seguidores de quaisquer religiões. Contesto a idéia que nos foi vendida, idéia esta, que custou a cabeça de milhares de homens e mulheres. Decerto, contestá-la é bem mais prolífico que atacar pessoas indiscriminadamente. Se os bons vão para o céu, após uma vida abnegada, pois bem! Ainda prefiro ir para onde quiser e com meus próprios pés.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

EFÊMERA

Sejamos intensos;
Ainda que vivamos menos.
Somos efêmeros.
Não fomos feitos para durar.
Nada dura, perdura, o Além dirá!
Felizes aqueles que não vivem a prazo,
Que gozam a vida sem percebê-la.
Possuem pelas horas um grande descaso
Em suas almas, uma pequena estrela.

sábado, 3 de novembro de 2007

MANUAIS E PRÁTICAS

A mãe ouve risos, sussurros(confissões ao pé do ouvido), interjeições estranhas e gemidos vindo do corredor. Assustada, sobe as escadas apressadamente, bate na porta do quarto e diz:

- Filha, você tá bem?! Fica aí falando sozinha. O que tá acontecendo?. A filha ajeita os botões da camisa, fecha o zíper da calça jeans, levanta-se da cama e ainda recompondo-se diz:

- Não esquenta mãe...Não é nada não. Sempre falei sozinha mesmo – faz cara de amuada e amontoa-se aos lençóis libidinosos outra vez. A mãe insatisfeita responde:

- O QUÊ?!

- Não disse! – diz a jovem brincando com um sorriso rabiscado na palma da mão direita. A mãe consola-se com a ignorância e diz antes de descer as escadas, que o café vai esfriar. A jovem então volta a ensaiar o monólogo monossilábico manual e imoral da vez.