sexta-feira, 28 de setembro de 2007

PREFÁCIO

Durante minha estadia numa província escandinava, conheci uma bela e jovem camponesa. Disseram-me que no campo encontraria a inspiração necessária para a conclusão de meu segundo livro(Espelho Submerso)Não mencionaram a formosura de uma habitante da região. Este encontro lembraria-me o que anos incautos de civilização me fizeram esquecer.
Todos os dias, logo que o Sol acordava e espreguiçava-se nas árvores senis do bosque da província, a jovem camponesa saía da casinha de madeira onde morava sozinha, pegava uma trouxa de roupas, sentava-se na beira de um riacho próximo e começava a cantarolar uma canção triste - bem baixinho, enquanto esfregava a anágua de um vestido branco. Parecia uma ninfa desolada. Após dias observando, encantado, a melodia belíssima da canção e, tomado por uma curiosidade inquietadora, não pude resistir; aproximei-me, fiz uma breve saudação e resolvi enfim indagar-lhe:

- Por que todo dia vens sentar-se na beira desse riacho e cantarola a mesma canção, senhorita?

- Porque perdi algo, senhor - respondeu serenamente a bela jovem. As mãos dela esfregavam compulsivamente a mancha escura no tecido.

- Perdoe minha ousadia, mas o que perdestes senhorita? - aquilo parecia incompreensível para mim. A jovem virou-se de costas para mim, colocou os pés na água, segurou o chapéu que um minuano matreiro ameaçava raptar:

- A minha Auto-Estima - seus olhos fitavam o Infinito numa expressão deveras melancólica.

Foi então que percebi o quão a jovem era bela, pois as águas límpidas do riacho refletiam meticulosamente sua graciosidade - ela ofuscava a sombra de peixes desavisados. A jovem tinha a pele alva, nariz e lábios delicados, as madeixas púrpuras cobertas por um chapéu de palha decorado com pedrinhas anis; usava um vestido amarelado, decerto banhado em trigo e os pés estavam completamente nus. Os olhos verdes exibiam tons que oscilavam conforme o humor e a incidência da luz. Ocultavam intenções incógnitas de fato. Prometi que ajudaria-lhe a encontrar o que perdera sem ao menos fazer idéia do que procurava. Ela então hesitou, seus olhos adquiriram um tom esmeralda fugaz, doravante voltaram-se para mim. Os lábios delicados, lentamente acompanharam o movimento sinuoso deles - culminaram num sorriso radiante. Naquele instante nada mais importava para mim...Nada. Descobri que sua Auto-Estima não afogara-se afinal.

A Pamela, dona do sorriso e os olhos, pertence esta estória.


ADENDO - AGRADECIMENTOS, AFINS E ROMANTISMO


O título original do conto é Espelho Submerso. Intitulei o post de”Prefácio”apenas por brincadeira. Trata-se do prefácio de um livro que nunca existiu, nunca foi ou será publicado - ou há muito foi esquecido. Esta é a única estória que escrevi em primeira pessoa. Fiz algumas alterações no texto original – agreguei alguns elementos novos e introduzi uma frase inédita no final. Acredito que o texto ficou mais conciso, uma vez que o original estava repleto de pontas soltas(incongruências logísticas)Definiria-o como uma espécie de mito de Narciso às avessas. Prefiro escrever em terceira pessoa, afinal, assim isento-me da responsabilidade oriunda do conteúdo(risos)Admiro a coragem do escritor norte-americano Edgar Allan Poe, que notabilizou-se pelo uso de uma narrativa em primeira pessoa, repleta de explorações anímicas auspiciosas e, não obstante, demasiado perigosas. Tudo isso muito antes de Freud estabelecer os rudimentos da psicoánalise. Inclusive, a verve romântica exacerbada da estória, deve-se em parte ao apreço que tenho por Ligéia, Morela, Berenice, Annabel Lee, outros contos e poemas românticos do autor. Também há uma referência as duas irmãs órfãs, Clara e Guida, protagonistas do romance”As Pupilas do Senhor Reitor(Julio Dinis)Lembro-me vagamente que as duas lavavam roupas num riacho, enquanto cantavam, encantavam e contavam suas desventuras amorosas. Se vi a novela? Não, não vi!(risos)Não assisto novelas¬¬. Porém li o romance homônimo. Não sou um discípulo de Lord Byron, mas esforcei-me para preservar as características típicas do romantismo. Se eu fosse escritor, viveria na Europa ou qualquer lugar frio, escreveria romances, poemas e canções de amor, seria escravo da boemia e morreria jovem, muito jovem! Na aurora da vida. Todavia, não sou e às vezes me pergunto se ainda dá tempo. A porta de emergência está entreaberta. Agradeço ao Júnior, companheiro de trabalho e ouvinte de meus devaneios cotidianos, que gentilmente cedeu-me a fotografia utilizada no post e ao Andrei da Foto Studio Paulinho, que escaneou-a e fez pequenas alterações na estrutura e coloração(afinal, eu não poderia esperar por algumas décadas¬¬), seguindo as exigências excêntricas de um certo Mr. Faraway . De fato, Andrei realizou um trabalho minucioso . Agradeço a paciência de ambos.