domingo, 2 de setembro de 2007

NAH CHUVA

Away folheava um livro grosso, com uma capa dura verde e empoeirada, tomando cuidado para não desprendê-la das folhas amareladas. Estava mergulhado em sonhos e divagações:

- Tem bastante gente aqui mesmo – disse uma jovem carregando um guarda-chuva preto. Como não houve resposta, ela então alterou o tom de voz:

- EI, EI MR. FARAWAY?! A voz dela finalmente trouxe-o à tona.

- Sim, sim!Hesse, Nietzsche, Rosseau, Voltaire, Dostoiévski, Pessoa, Poe...

- Podemos ir?

- Ah claro! – Away parecia refeito do transe literário.

Enquanto passavam por ruínas de um prédio abandonado, Away observava curioso os trajes da jovem. O movimento sinuoso das pernas dela, ressaltavam as meias listradas e longas. Ficou surpreso ao constatar que ela empunhava um guarda-chuva preto:

- Sabe, pensei numa coisa agora.

- Hmm...O quê? – Nah parou de caminhar.

- Talvez fosse melhor esquecer o sorvete. E se estivermos contribuindo para o aquecimento global?

- Hã? Como? – Nah não acreditava no que acabara de ouvir.

- Este calor insuportável! Aposto que tem dedo da Nestlé aí! – disse Away enfático.

- Eles colocam CO2 na fórmula do sorvete? – Nah indagou com um cinismo delicioso.

- Não, mas se estão lucrando, certamente conspiraram para isso – os olhos dispersos de Away deixavam dúvidas sobre a teoria.

- Você é paranóico!

- Você disse que eu era estranho.

- Estranho e paranóico. Sente-se melhor agora? – Nah não conseguia disfarçar o sorriso entre os lábios.

- Vamos, venha! – Nah puxou Away pela mão bruscamente.

- Vai se queimar todinho se continuar debaixo deste sol – Away insistiu:

- E a Antártida? Os pingüins? E todos àqueles icebergs reduzidos a cubos de gelo?

- Pára com isso! Você não é Atlas! Se por acaso restasse apenas dois cubos de gelo, eu ficaria feliz. Away exclamou compulsivamente:

- VOCÊ É LOUCA?! ESTOU DIZENDO QUE ESTAMOS FRITOS! É SÉRIO! – Nah, serena, lentamente respondeu:

- Sei disso...Eu ficaria com um deles – fez uma pausa e em seguida disse:

- Daria o outro pra você – Away sentiu-se anestesiado pelas palavras de Nah. Olhou para as mãos dela, pensou um pouco e indagou:

- Por que o guarda-chuva? Se a intenção era se proteger do sol, não seria melhor uma sombrinha? - Away lutara o quanto pôde, mas sua boca traiu seu bom senso.

- É porque vai chover. Não sei...Sinto! – Nah gargalhou quando viu a expressão confusa de Away. Ele olhou para o céu. Não havia uma única nuvem. Desconfiou seriamente do sexto sentido feminino.

- Chegamos – Nah apontou para uma sorveteria no fim da rua. Os dois entraram nela, sentaram-se em cadeiras opostas, pediram o combinado e enquanto esperavam, Nah desenhava sóis, luas, lobos, dragões e princesas no verso do menu – usava um lápis de olho que carregava na bolsa. Nah tentava explicar para Away que Crunch era um tipo de cereal; não uma onomatopéia como ele imaginara. Também explicava as diferenças entre uma bola de sorvete de flocos e uma de baunilha, usando exemplos práticos, pois para ela se Away não conseguia distinguir o sabor de essências tão simples, como apreciaria os sabores da vida? Away ouvia atentamente as explicações sobre as diferenças das bolas de sorvete, entretanto, para ele era mais divertido equilibrá-las sobre a casca – sentia-se um verdadeiro artista circense. Estava feliz. Após experimentarem todas as novidades da casa(inclusive um sorvete feito com abóboras púrpuras e limão), resolveram que já era hora de partir; afinal, o Sol já vestira seu pijama. Durante a volta, Away não escondia sua satisfação. Ela era nítida, evidente, saltava aos olhos; sobrepujava os muros de qualquer preocupação.

Away e Nah pararam numa travessa, ela retirou os óculos, trocaram olhares por alguns segundos, riram timidamente, até que Away iniciou o ritual de despedida:

- Quanto te vejo de novo?

- Depende. Quanto tempo leva um”até breve” – Nah sorriu indiscriminadamente.

- Tome. Acho que vai precisar – entregou o guarda-chuva para Away. Ele pegou, balançou a cabeça e ficou ali, parado, observando as meias listradas se afastarem, levando consigo a bela e encantadora jovem. Colocou as mãos no bolso da calça, caminhou até o portão de uma catedral gótica próxima, olhou para o relógio no alto da torre. Não havia nenhuma indicação de”até breve”nele. Voltou para a rua, cabisbaixo, quando de repente sentiu alguma coisa fria cair no seu rosto. Tocou-o, abriu a palma da mão e, impressionado, viu que a coisa fria era água.Logo os pingos de água se transformaram numa chuva espessa, refrescante e majestosa. Away então abriu o guarda-chuva, entregou a um velho mendigo sentado na calçada, abraçou a Chuva e apressou o passo. Até breve não estava tão longe.


ADENDO - AGRADECIMENTOS, AFINS E DECLARAÇÕES

As duas fotografias usadas neste conto são de autoria e propriedade de uma amiga e amante(ou vice-versa^^'...rs), agridoce, autodidata, preguiçosa, tímida, nostálgica, crítica, incentivadora(minhas orelhas ainda doem, viu?!x), pensativa, distraída, ambígua(indubitavelmente), agnóstica, tresloucada, letárgica, perfeccionista, filósofa e filóloga(afinal, criastes um dialeto próprio e, além de writing and speaking english very well, domina como poucos o élfico – decerto sua língua-mater), espontânea(P**** mano!¬¬rs), mas sobretudo uma senhorita”estranhamente”encantadora; alguém cuja a inteligência, graciosidade e criatividade intimida, encanta e inspira respectivamente. Muito obrigado pelo “Antes”, “Nah”e quiça o”Depois da chuva” - >***** Sally!xD

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