domingo, 31 de maio de 2009

(IN)SORO

Estava vivo, decerto era a informação preambular primordial, visto que todo o resto que viria não lhe parecia mais que um ornamento, descrições vagas e breves de um estado quase contínuo. Continuava desempregado, contudo não lhe preocupava muito a condição, apesar de ser o alvo das piadas mais esdrúxulas nas rodas de amigos - ironizavam sua postura introspectiva, tecendo comentários jocosos a respeito de uma suposta entrevista. Também lhe escolhiam os cargos e empregos mais inusitados. Quem sabe agente funerário; tinha discrição, logo se tornaria funcionário do mês segundo contavam. Bibliotecário tinha alguns votos, embora a ausência de uma biblioteca municipal, tema levantado por um opositor ferrenho, tenha minado qualquer chance de eleição. Ele aproveitou o ócio forçado para ingressar e concluir um curso numa escola técnica. Precisava agregar alguma coisa ao currículo defasado - levou cerca de três meses e, contrariando seu pessimismo schopenhaueriano, obteve aprovação com a nota máxima. Obviamente o ócio lhe serviu para outras coisas também, não tão úteis de fato: tomava coca-cola com prozac, via filmes B, tocava, esfolava os dedos, estudava pdf's chatíssimos de legislação, artigos, constitucionalidades, estatutos, decretos, todo o blábláblá nas conjugações imperfeitas e mais que imperfeitas para concursos públicos(se inscrevia em todos que apareciam, exceto os de beleza) - e, nas horas vagas, poucas, saía de seu retiro intelectual, dava folga aos neurônios e vagava à deriva pela internet em busca de um pretexto que o mantivesse entretido até o sono chegar. A freqüência em chat's diminuira bastante - quiçá fosse a maturidade chegando. Ele sabia: ela estava atrasada. Falta-lhe a disposição e o comprometimento necessário - não gostava de pensar que tudo aquilo não passava de um passatempo. Ignorando-o o tempo passara.