quarta-feira, 13 de maio de 2009

ANÚNCIOS E CLASSIFICADOS: Parte 1.

Compareceu a empresa, atendendo a convocação recebida por telefone. Chegou poucos minutos antes da hora marcada, pegou informações com o zelador e se dirigiu ao departamento de recursos humanos. Notou que havia outro candidato à espera: ele sentava-se numa espécie de carteira escolar, assinalando coisas num conjunto de folhas. Antes que o novato pudesse investigar o que o outro candidato fazia com aqueles papéis, a secretária, uma jovem reconchuda com cara e pinta de professora severa do primário, pediu que o novato lhe entregasse o CPF e a carteira profissional. Ela entregou-lhe um amontoado de folhas, concedeu-lhe um breve tutorial sobre como o novo candidato deveria proceder. A primeira folha continha um teste aritmético; aquilo o assustou: embora não fosse difícil, envolvia números decimais e ele nunca escondera sua aversão por números, especialmente os desta classe. As duas folhas seguintes exigiam que o candidato fornecesse informações sobre experiências profissionais e dados pessoais. A última, em branco, servia para construção de uma redação de no mínimo dez linhas - o tema não poderia ser mais sugestivo, algo do tipo "por que você deseja trabalhar nessa empresa?". Ele se segurou para não rir. "Mais insosso impossível", imaginou. Resolveu os testes aritméticos gastando mais massa cinzenta que o de costume; preencheu os dados necessários e relatou presunçosamente(deu ares de importância vital, subsídios questionáveis, floreios dispensáveis, etc;) sobre suas funções na empresa em que trabalhava anteriormente. No entanto, o mais divertido foi a redação: nunca fora tão cínico e piegas daquele jeito. Usou jargões empresariais obsoletos, termos roubados de cadernos de economia, foi pedante desavergonhadamente. Escreveu duas versões: a primeira pareceu-lhe auto-indulgente demais. Depois que concluiu a "provinha", teve que esperar uma boa quantia de tempo: a secretária o esquecera ali. Pensou em chamá-la, mas tudo que conseguiu foi fazer sinais estúpidos e tímidos com as mãos - ela estava do outro lado, atrás de paredes de vidro - sentiu-se como um aluno do primário pedindo permissão para ir ao banheiro. Enfim, ela o atendeu e após uma pequena espera, a entrevistadora o chamou até sua sala. Hora da entrevista. Olhou rapidamente para a correção da "provinha", inerte na mesa, ao lado de uma velha máquina de escrever - aparentemente se saira bem no teste aritmético, e a redação...Bom, acho que só exigiam para comprovar que o candidato era mesmo alfabetizado. Não posso acreditar que engoliriam aquela baboseira toda que ele escrevera. Vocês se surpreenderiam com a cordialidade e interesse que a necessidade pode inserir num homem. Durante a entrevista ele respondeu as questões prontamente, tentando até ser simpático, exalar alguma espirituosidade; não foi fácil, não estava acostumado - é claro que encenou, e em certos momentos teve bastante trabalho. Um deles foi quando a entrevistadora lhe perguntou sobre um certificado, uma exigência contratual, visto que este comprova que o candidato está apto a operar determinado tipo de máquina. Ele fizera o curso de segurança na empresa que trabalhava, só que não pegou o certificado; se tinha pego não lembrava onde guardara. A verdade é que só o fez por obrigação - enquanto o instrutor dava as aulas ele imaginava alguma maneira "alternativa" de escapar do curso(alguma coisa que não lhe custasse o emprego) Não conseguiu encontrar. Disse a entrevistadora que sim, que fizera o curso, mas infelizmente esquecera-se do certificado - ela frisou a importância do certificado e depois fez mais algumas perguntas de praxe, o dispensando logo em seguida. Ele aguardou mais algum tempo. A secretária inicial lhe entregou um envelope com a solicitação de um exame admissional - às 13:00 de uma sexta-feira, num lugar que ele desconhecia. Todavia, ainda precisava dar um jeito de arranjar o maldito certificado ou estaria encrencado. Pensou quanto custaria um no mercado negro. Não podia descartar a possibilidade. Ligou para um amigo, este prontificou-se a ajudá-lo. Bastava lhe entregar uma cópia ou modelo e a falsificação não seria tão difícil. Ele deixou implícito dizendo "Nóis damu um jeito", uma espécie de código marginal descolado. Ainda existia uma chance remota de não recorrer aos préstimos do amigo, encontrar o certificado na empresa que deixara para trás meses antes - e como não tinha mais nada a perder(o emprego já se fora mesmo), pegou o telefone e discou alguns números. Do outro lado uma voz conhecida o atendeu.