quinta-feira, 1 de maio de 2008

SOBRE ANNA: Uma Colher de Sopa e Filosofia.

A árvore no quintal estava morta. Esperava o início da primavera para ressuscitar. Ela levaria as folhas secas do outono embora, traria flores e tingiria de amarelo outra vez a abóboda cinzenta de Anesthesia. Todavia ela não chegava. Por três longos anos Marlene Gossip esperava sua chegada. Ela não vinha. Os lábios murchos esboçavam uma frustração inequívoca. Era o sinal. O inverno seria mais longo outra vez – precisaria de lenha, boas garrafas de vinho, chocolate, malte, calmantes, prozac e algumas doses extras de paciência. Na árvore a Sra.Gossip talhara com uma faca de cozinha a palavra ”Sperantia”. Retirou a palavra de um dicionário de latin, cheio de páginas amareladas, com parte da capa dura arrancada, mas que ainda mantinha intacto os verbetes escritos em letras maiúsculas. Convencera o supersticioso atendente da biblioteca de Anesthesia a vender-lhe sem muita resistência. A Sra.Gossip gostava de ler durante as refeições. Não era raro vê-la com uma colher de sopa na mão direita, um volume encadernado na esquerda, e óculos, cujas a lentes de lupa faziam frente a Scotland Yard, saboreando aspargos e idéias com satisfação. Lia Sócrates, Platão, Aristóteles, Anaximandro, Heráclito, Empedócles, Demócrito, Xenófanes e todos aqueles filósofos e poetas gregos com nomes esquisitos e difíceis de pronunciar. Queixava-se pela falta de elegância nos autores contemporâneos. Nada lhe agradava.”Vulgar, mórbido, melancólico, romântico demais, um horror!” – dizia.