quinta-feira, 22 de maio de 2008

AMÔRNICA

Xavier nasceu num gueto de Santa Agnósia. Yai em novembro. Dois de novembro. Yai viera do campo, de um lugar onde havia animais, pastos e árvores bocejantes, mas logo que completou dois anos de vida, seus pais resolveram mudar – Yai mudaria de ares e lares. Mudaria de vida. Tudo de uma vez . Os pais, lavradores, abandonaram o campo, assim que os olhos de Yai tornaram-se a única coisa verde que restara ali.

Xavier e Yai moravam num apartamento de 20 metros quadrados, uma caixa de fósforos, alugada por Xavier e escolhida por Yai. Viviam encubados. Não tinham dinheiro para um isqueiro. Yai decorara-o com penduricalhos geométricos, mobília seminova ou quase nova, feita com madeira rústica, à prova de fungos e cupins de todas as espécies – até uma africana dissera a vendedora quando Xavier assinou a folha de cheque. Além de carpetes persas falsificados, espelhos e abajures e um sofá-cama na sala. Yai tinha sonhos. Mas isso não bastava. Precisava de algo que funcionasse na vida real. Talvez seus sonhos fossem grandes demais, não coubessem no possível. Yai não sabia, sonhava!. Dizem que uma mentira contada muitas vezes, se transforma numa verdade. Yai imaginava quantas mentiras seriam necessárias para se criar uma realidade. Ela não entendia. Não se importava com o que os outros pensavam. O que não pensavam parecia-lhe mais importante. Embora aquilo não fizesse sentido, ela sentia!. Xavier tinha um chevrolet vermelho 78. E um plano B que ainda não conhecia, mas usaria se o A não desse certo. Trabalhava numa funerária, ali mesmo, apenas algumas quadras do apartamento e o cemitério municipal. Fora corretor de apólices de seguros, carros e imóveis no passado. O novo emprego não era tão diferente do antigo. Tinha experiência com vendas afinal. O Sr. Sam Hain, dono da funerária, gostava dele e já estudava a possibilidade de uma aposentadoria. Deixaria que Xavier cuidasse de sua galinha dos ovos de ouro.