domingo, 19 de abril de 2009

RONIN

Foi transferido de setor no feudo onde vassalava dia-a-dia. Houve muitas mudanças durante suas férias; muitas cabeças rolaram, uma mulher assumiu a direção e impôs milhares de restrições ditadoriais aos vassalos(entenda-se por antigos funcionários). Ela era uma espécie de Dama de Ferro - de longe lembraria aquela antiga primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher, mas sem a típica elegância britânica. Apesar do comportamento subversivo, indisciplinado às vezes, ele foi salvo com a condição de trabalhar em outro setor e se comportar. Estava mais sossegado desde então; não por causa das condições - desconfiava que colocavam morfina no seu café-da-manhã. O fato é que lá passou a conviver com alguns caras que anteriormente só trombava no corredor. Naquela semana, a tardezinha, logo que voltou de um intervalo, encontrou um dos seus novos companheiros(e comparsas posteriormente) chupando limão com sal. Perguntou a ele como conseguia fazer aquilo - ele respondeu sem pestanejar:"chapa o coco domingo e vem trabalhar na segunda, daí você entende". Poxa, ele nunca imaginara que sal com limão era um remédio caseiro para ressaca. O que pôde imaginar mais tarde foi que químicos espertos patentearam a receita e venderam para as fabricantes do Engov, Sonrisal, Eno(as marcas escolhidas foram as mais citadas numa pesquisa que ele realizou nas dependências do feudo - um em cada três entrevistados; consumidores assíduos de bebidas alcoólicas, pés-de-cana, pudins de pinga, bebuns, paus d' água, cachaceiros, bocas de litro, bons de copo, blábláblá e derivados as citaram) A vitamina C também é um antigripal poderoso - no entanto, isso qualquer aluno do ginásio sabia. Seu novo companheiro(que lhe promovera a camarada em menos de seis horas) lhe ofereceu limão com sal várias vezes: ele, reticente, recusou todas - logo pensou o quão bizarro devia ser o gosto daquela combinação, enquanto esforçava-se para não salivar a contragosto. O cara que lhe oferecera a mistura era um sujeito vulgar, ignorante, grosseiro, mas tinha lá suas qualidades - pena que as lentes gastas dos óculos do camarada reticente não conseguiam enxergá-las direito. O reticente, e renitente de sobrenome, estava certo. Se alguma dúvida existia sucumbira depois daquilo, dera ali o último suspiro. Ele estava cercado dos exemplares mais estranhos da raça humana. Às vezes, se sentia num reformatório medieval. Todavia, não sabia bem o porquê nem explicar o que o fazia se sentir em casa.