sexta-feira, 10 de abril de 2009

BASEADO NUM LIVRO


Cinco integrantes de religiões distintas(um rabino, um pastor, um padre e dois mórmons com lapelas na camisa com a inscrição Big Brother Brasil)estão sentados perto de uma fogueira, cada um deles possui um pequeno copo branco descartável em suas mãos - eles bebem goles do vinho São Tomé(ele não podia faltar afinal) enquanto alternam a leitura e discutem trechos de uma bíblia antiga, dando ênfase especial as parábolas e controvérsias apresentadas no livro sagrado. No centro, também sentado perto da fogueira, encontra-se um Cristo entediado, com a coroa de espinhos devidamente aprumada e que volta e meia tenta manifestar suas opiniões de maneira tímida e apática; dá meia volta e desiste, limitando-se a observar serenamente a discussão. Cristo olha incrédulo para garrafa de vinho e para o que vê. O pastor inicia a leitura com um trecho consagrado do salmo 23; faz uso de uma narrativa altiva, eloqüente e entusiasmada:"O Senhor é o meu pastor, nada me faltará..."- interrompe a narrativa no meio do parágrafo para bradar "aleluia" com toda força dos pulmões. Prossegue:"Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; refrigera-me a alma. Guia-me pelas verdades da justiça por amor do seu nome". Os integrantes restantes acenam com a cabeça positivamente. Ele faz uma pausa curta e conclui:"Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo" - ele então fecha a bíblia. A garrafa de vinho chega as mãos do mórmon oficial, que ao tentar oferecer um copo ao "estranho"(assim tratam a figura de Cristo que até então ignoravam) derruba o conteúdo do copo acidentalmente nos pés de Cristo - o mórmon se prontifica a limpar os pés dele, lamentando-se com "I'm sorry' s" consecutivos – Cristo não se exalta, põe a mão na cabeça dele, faz gestos com a mão pedindo que ele se levante, enquanto o segundo mórmon levanta uma placa com legendas em hebraico arcaico equivalentes ao pedido de desculpas do mórmon desastrado. O restante do grupo prossegue com a leitura da bíblia. Dessa vez o rabino se encarrega de ler um trecho do velho testamento: ele narra a ira de Deus sob o povo egípcio, elucidando o castigo que manifestou-se através das dez pragas:""Então disse o Senhor a Moisés: levanta-te pela manhã cedo, e põe-te diante de Faraó, e dize-lhe: assim diz o Senhor, o Deus dos hebreus: deixa ir o meu povo, para que me sirva. Porque esta vez enviarei todas as minhas pragas sobre o teu coração, e sobre os teus servos, e sobre o teu povo, para que saibas que não há outro como eu em toda a terra."[Êxodo 8, 9] O ser onipotente mostra-se prepotente e nem de longe vê-se a bondade incondicional que lhe é atribuída. As atenções se dividem após o término do discurso do rabino. O padre faz-se de desentendido e volta sua atenção para os lados, os mórmons parecem não entender o que acontece e o pastor abaixa a cabeça, murmura palavras incompreensíveis tentando convencer-se de que Deus sabe o que faz. É chegada a vez do padre: ele inicia um trecho da parábola que conta as desventuras de Jonas no estômago da baleia:"Preparou, pois, o Senhor um grande peixe, para que tragasse a Jonas; e esteve Jonas três dias e três noites nas entranhas do peixe. E orou Jonas ao Senhor, seu Deus, das entranhas do peixe. E disse: na minha angústia clamei ao Senhor, e ele me respondeu; do ventre do inferno gritei, e tu ouviste minha voz".[Jonas 2] Vendo o Cristo cabisbaixo, o padre pergunta: "o que há de errado, filho?". Cristo cansa-se de ouvir histórias da carochinha, levanta a cabeça, joga fora a coroa de espinhos, pega a bíblia, rasga algumas folhas, enrola maconha nelas, acende na fogueira, dá uma longa tragada no cigarro fresco, uma piscadela e entrega ao padre, que boquiaberto assiste toda a cena. O padre olha para os lados, vendo que todos fingem que nada aconteceu, coloca o cigarro de maconha na boca e dá uma bela tragada que culmina numa longa baforada. O padre então diz, com um sorriso irônico nos lábios e num tom sarcástico:"nada mal prum baseado num livro". As luzes se afastam, quando voltam focam de relance o que restou da cena: sentado e tranqüilo, um demoniozinho vermelho de pelúcia assa um marshmallow na fogueira.