domingo, 4 de janeiro de 2009

NAH CHUVA MAIS UMA VEZ: Estranhos Conhecidos.

Nah mais uma vez esperaria pela revanche. As discussões continuaram, os empates técnicos também, até o dia em que Nah desistiu de convencer a mãe que a menina-moça já era uma mulher. Trancou a faculdade de Pedagogia, arranjou trabalho numa empresa de eventos e alugou uma casinha, do outro lado da cidade. Ali não precisaria se preocupar com as meias espalhadas pela sala, as barras de chocolate vencidas no armário e nem prestaria contas sobre a origem e condições financeiras de um novo namorado. Nah gostava da nova vida; do cheiro de sabão em pó da lavanderia, dos milk-shakes de ovo maltine sem restrição nos finais de semana, dos copos de café e disposição na padaria da esquina, de dormir com a televisão ligada, vendo documentários e reportagens investigativas, andar seminua de madrugada pela casa ou passar a manhã inteira enrolada numa toalha de banho, conversar com Margô, uma mandrágora cultivada no jardim guardado por gárgulas de gesso, e Dorothy, uma guitarra strato vermelha, que passava horas no colo de Nah – enquanto ela sentava-se na frente do espelho, em cima do tapete rubro cheio de velas e marcas de cera, tocando e compondo iê-iês e lálálás - excentricidades que ela preferia manter em segredo, longe do olhar de terceiros. Nah provava as coisas casuais e corriqueiras, sem pressa e moderação, sentindo-se mais e mais lúdica a cada pedacinho de trufa arrancado suavemente, enquanto ia-e-voltava-e-ia do trabalho. Nah ampliara seu círculo social significamente, conhecera gente muito interessante, gente muito estranha, gente de verdade também (um rapaz que vendia balas de goma nas ruas, uma senhora com seus quitutes, um senhor que anunciava as frutas de sua barraca com apitos e um megafone...) Mas ninguém, ninguém mesmo, parecia com aquele sujeito engraçado que conhecera no viaduto que dava acesso ao corredor da estação de metrô. Ele parecia completamente indiferente ao espaço e tempo que o cercava, olhando para as pessoas que marchavam lá embaixo, em direção a seus quartos-hotéis, deveres e afazeres (quem sabe, talvez, mais um dia, outra vez, que seja) O rapaz tinha a barba por fazer, olhos pretos e o cabelo castanho escuro brigara com a escova de manhã; vestia um jeans desbotado e uma camiseta preta de uma banda underground que menos de 0,3% da população mundial ouvira falar, e calçava sandálias pretas que exibiam os pés pálidos – ele carregava uma mochila transversal e volta e meia, pegava a garrafa de água mineral guardada nela, dava alguns goles e a colocava de volta. Tirava um bloco de notas da bolsa, rabiscava algumas coisas ilegíveis, dobrava cuidadosamente as folhas, transformando-as em envelopes muito pequenos, com asas nas bordas e lançava-os no ar – o vento se encarregaria de levá-los embora, entregar as cartas endereçadas a alguém. Nah observava as cartas espalhadas no ar e com um alumbramento raro, imaginava o que o rapaz escrevera em cada uma delas: poemas, canções de amor, manifestos políticos, filosofias de rodoviária, versículos, pedidos de socorro, mensagens subliminares(aretècte e siat!) e muitas outras coisas passeavam por sua cabeça.

P.S: "É, essa semana demorou mais que o esperado pra chegar - problemas técnicos e uma indisposição costumeira atrasaram o processo"...(Di' stante Enfim em nota não-oficial)