domingo, 11 de janeiro de 2009

NAH CHUVA MAIS UMA VEZ: O Lá!

Ela normalmente dar-se-ia por satisfeita, mas o estranho no corredor parecia lhe desafiar; pedia que Nah transgredisse suas convicções. Nah aproximou-se do estranho, aproveitando o tumulto causado pelo fechamento repentino dos guichês da estação. O sujeito não notara a presença dela – continuava com os braços sobre o parapeito do viaduto, olhando para as cartas que se afastavam rapidamente. Nah estava à cerca de um metro e meio dele, do lado direito, apoiada sobre o mesmo parapeito - uma distância que considerava socialmente segura, afinal, se havia uma lei em que acreditava era a que dizia que dois estranhos não podem ocupar um espaço comum menor que um metro ao mesmo tempo. Nah abandonaria seu ceticismo aos poucos, deixando um pedacinho de lógica ali, um bocado de razão pra lá:

- Você sempre faz isso? – Nah se arrependera até o último fio da mecha roxa do cabelo pela indagação. De onde Diabos tirara aquilo? De algum manual de regras de etiqueta em liquidação? Nah envergonhara-se...Muito. Media com os olhos a distância que separava a calçada de seus pés. Respirava com alguma dificuldade, cabisbaixa, encarando as meias bicolores das pernas que tremiam. Tentava se acalmar contando mentiras para si mesma (“talvez ele seja surdo”, “quem sabe estava tão distraído que nem percebeu”, “ele é autista, isso!”, ”UFA! Essa foi por pouco dona Nah”) – Nah parecia mais tranqüila. Quando estava pronta para partir, a voz do estranho chegou até seus ouvidos:

- Não, só quando eles não estão olhando – o estranho apontava para alguns sujeitos vestidos com um uniforme laranja, sentados nos bancos de uma padaria, tomando café e assistindo o noticiário – o estranho não mudara de posição. A voz dele era grave, baixa e ele falava pausadamente, tomando cuidado para não atropelar seu léxico.

Depois de investigar por um instante os arredores, ele virou-se para Nah, olhou para a bolsa que ela carregava, a roupa dela e as meias bicolores - estas prenderam sua atenção durante meio tempo. Disse num tom de voz ainda mais baixo, como se estivesse contando um segredo e temesse ser descoberto a qualquer momento:

- Você é um deles? – os olhos do estranho repousavam sobre as meias bicolores de Nah. Nah respondeu abruptamente, rindo:

- Não, não sou um deles! – Nah não conseguia olhar para o rosto do estranho seriamente. Depois de se refazer prosseguiu:

- Olhe, nem estou vestida de laranja.

- Nada a impede de ser uma agente disfarçada ou estar à paisana – o estranho parecia perturbado. Nah não acreditava naquilo, o sujeito estava mesmo falando sério.

- Eu não sou uma agente disfarçada nem estou à paisana, então pode se acalmar, tá? – Nah evitava rir, mas a Ironia estava perto, muito perto, escondia-se na prosa e gestos.