quinta-feira, 7 de julho de 2011

PRENDA

Diga a Prenda que mandei lembranças. Sei que tu não é pombo-correio nem um daqueles garotinhos que entregam correios elegantes em festas juninas, mas faça-me esse favor. Prenda, queria te enviar um poema embrulhado num eletrocardiograma. Sei lá. Loucura. Bobagem. Besteira. Coisa de gente boba e besta. Não dá pra fazer isso aqui (ainda). Também não posso te dar meu coração: o eletrocardiograma é apenas uma nota promissória.

sábado, 14 de novembro de 2009

AZEDU-ME

Chovera monotorrencialmente. A noite recolhia as nuvens desgarradas que restavam no céu. Um sopro de prosa ajudaria a desanuviá-lo: Ela. Branca, bela, loura, linda, moça, louca - ela assim-assaz, chupando limão com sal e lhe dizendo coisas doces. Mentiras? Talvez...Provavelmente. Não importava. Aquilo lhe fazia tão bem. Ele tinha uma vontade contrita, de não-ter-sido, de não-ter-estado. Recaída. Precisava urgentemente de uma injeção de ânimo. A única farmácia ficava longe. Já estava fechada. Perdera, perderam-se. Uma doideira desatinada assomava. Ele estacou, ofegou, virou-se, foi embora a passo firme e largo, desditoso e distante, engolindo as três palavras que o orgulho, medo, o inibira impedira de devolver. A consciência calava: silêncio era coisa mais prudente e sugestiva.

domingo, 8 de novembro de 2009

STANDBY-OFF

Amuado. Amofinado. Amargo. Falta-me verbo; sobram-me adjetivos.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

SOBRE ANNA: Ocaso.

Agora eram 5:49 da tarde. Estava quase na hora do programa predileto de Anna. Anna assistia seriados e desenhos animados antigos. Assistira tantas vezes que não importava quanto tempo ficasse sem vê-los, sempre teria a nítida sensação de déjà vu. Ela divertia-se imitando a fala e trejeitos de suas personagens prediletas na frente do espelho. Havia um mundo colorido, onde as coisas davam certo e tudo acabava bem, que custava pouco, muito pouco – a felicidade instântanea estava ao alcance de quase todos. Aquilo não lhe satisfazia, mas lhe entretia, fazia com que os pensamentos ruins fossem embora. Mas apesar dos esforços dela, eles logo voltavam para casa: conheciam direitinho o caminho. Anna acreditava que a fumaça do cigarro seria capaz de mantê-los afastados. Ela cogitava roer as unhas, porém o cheiro do esmalte preto, ainda fresco, virava-lhe o estômago. Experimentara o gosto da Nicotina pela primeira vez aos 14 anos, atrás do muro do colégio, diante o olhar incrédulo de uma Solitude anêmica e silenciosa. Engasgou, tossiu, pigarreou e assustada deixou o cigarro cair das mãos - apagou-o com a ponta dos pés e guardou o isqueiro Bic amarelo na mochila. Trocou os insetos que guardava em vidros de conserva pelas cinzas acumuladas no cinzeiro de balshita. Colou uma etiqueta no vidro com a inscrição ”As Cinzas de Anna”, fazendo uma alusão óbvia ao título de um filme que assistira entediada na sala de vídeo do colégio. Anna encontrara o cinzeiro numa visita escolar que fizera a um museu. Ele parecia tão sozinho. Anna notou que não haviam mais pinheiros ali. Sentia que algo bucólico se perdera. Descobria-se descoberta. Onde as crianças brincavam de esconde-esconde agora? Risadas altas e sorrisos metálicos inundavam seus pensamentos. Aquilo não duraria muito.

domingo, 6 de setembro de 2009

LÚDICO

Quando estou na biblioteca da escola onde trabalho, sinto-me como uma criança que chegou a Disneylândia pela primeira vez - tudo isso sem ter que passar pelo constrangimento de ser fotografado no colo de um cara fantasiado de Mickey ou Pateta.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

MADRUGANDO

Ele e dois amigos foram a capital ver a virada cultural. Sabiam que teriam que se virar para manter-se acordados, já que dormir naquela multidão, mesmo em turnos alternados de vigília, seria praticamente impossível. Eles estavam acompanhados de uma mulher. Ele já a conhecia de vista e conversara com ela uma vez sobre o filme Peixe Grande. Nada especial. O grupo viu shows, contou histórias, bebeu vinho barato, contou mais histórias, até que um membro sugeriu que fossem comer alguma coisa. Eles aproveitaram-se do fato de que ela sentira vontade de ir ao banheiro, unindo o útil ao necessário. Visto que não tinham muitas escolhas, adentraram um boteco fedorento qualquer; um desses recintos esquecidos pela vigilância sanitária. Era engraçado ver a reação, a expressão de nojo que tomara conta dela assim que viu o banheiro. Ele imaginou se ela se perguntava "isso é para o uso de seres humanos?". O local parecia algum set de filmes B norte-americanos de terror. As condições eram muito precárias e não havia tranca nas portas. Adivinha quem teve que ficar mais de 15 minutos guardando a porta do banheiro para a donzela apertada?. Ele que mal falava, foi escolhido sem resistência verbal para a tarefa inglória. Ele notou que alguns caras estavam lhe encarando. Também não parava de pensar no que faria se outra mulher aparecesse. Esta podia lhe confundir com um tarado, um pervertido sem-vergonha, sujeito sem moral que faria a alegria de presos numa penitenciária estadual. Ele estava bastante constrangido. Quando saiu do lugar(ele saiu um pouco antes do restante do pessoal), uma garota perdida de Campinas o abordou pedindo informações. Provavelmente a garota o confundira com um guarda de trânsito. O boné preto e a posição dele(que encontrava-se perto do farol)pareciam mais que suficientes para alguém com imaginação e problemas.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

P.S:

Pensava no que dizer, por onde começar, queria palavras bonitas, engraçadas, mas nada que parecesse papo de arquiteto(já notou que pra eles tudo deve ser feito sob medida?); queria algo espontâneo; me peguei pensando no significado de espontaneidade: ela não é absoluta. Talvez a capacidade de improviso é que torne alguém mais ou menos espontâneo - existe uma certa precognição que molda, às vezes refina, censura, enfim transforma o que pensamos em palavras - essa precognição em escala maior é a clarividência genuína, diria. Faz uns dez minutos que digito essas palavras, penso nelas há uma hora mais ou menos, é, já sei, não sou um cara espontâneo. Desculpa, temo não ter outra oportunidade tão cedo...Estou atrasado, mas não me diga que é tarde; isso parece muito tempo em qualquer fuso horário. Eu precisava fazer alguma coisa a respeito.