Agora eram 5:49 da tarde. Estava quase na hora do programapredileto de Anna. Anna assistia seriados e desenhosanimadosantigos. Assistira tantas vezesquenão importava quantotempo ficasse sem vê-los, sempre teria a nítidasensação de déjà vu. Ela divertia-se imitando a fala e trejeitos de suaspersonagens prediletas na frente do espelho. Havia ummundo colorido, onde as coisas davam certo e tudo acabava bem, que custava pouco, muitopouco – a felicidade instântanea estava ao alcance de quasetodos. Aquilonãolhe satisfazia, maslhe entretia, fazia comque os pensamentosruins fossem embora. Masapesar dos esforços dela, eleslogo voltavam paracasa: conheciam direitinho o caminho. Anna acreditava que a fumaça do cigarro seria capaz de mantê-los afastados. Ela cogitava roer as unhas, porém o cheiro do esmalte preto, ainda fresco, virava-lhe o estômago. Experimentara o gosto da Nicotinapelaprimeiravez aos 14 anos, atrás do muro do colégio, diante o olharincrédulo de uma Solitudeanêmica e silenciosa. Engasgou, tossiu, pigarreou e assustada deixou o cigarrocair das mãos - apagou-o com a ponta dos pés e guardou o isqueiro Bic amarelo na mochila. Trocou os insetosque guardava emvidros de conserva pelas cinzasacumuladas no cinzeirode balshita. Colou uma etiqueta no vidrocom a inscrição ”As Cinzas de Anna”, fazendo uma alusãoóbvia ao título de umfilmeque assistira entediada na sala de vídeo do colégio. Anna encontrara o cinzeiro numa visitaescolarque fizera a ummuseu. Ele parecia tãosozinho. Anna notou quenão haviam maispinheirosali. Sentia quealgobucólico se perdera. Descobria-se descoberta. Onde as crianças brincavam de esconde-escondeagora? Risadasaltas e sorrisosmetálicosinundavam seus pensamentos. Aquilonão duraria muito.