terça-feira, 27 de outubro de 2009

SOBRE ANNA: Ocaso.

Agora eram 5:49 da tarde. Estava quase na hora do programa predileto de Anna. Anna assistia seriados e desenhos animados antigos. Assistira tantas vezes que não importava quanto tempo ficasse sem vê-los, sempre teria a nítida sensação de déjà vu. Ela divertia-se imitando a fala e trejeitos de suas personagens prediletas na frente do espelho. Havia um mundo colorido, onde as coisas davam certo e tudo acabava bem, que custava pouco, muito pouco – a felicidade instântanea estava ao alcance de quase todos. Aquilo não lhe satisfazia, mas lhe entretia, fazia com que os pensamentos ruins fossem embora. Mas apesar dos esforços dela, eles logo voltavam para casa: conheciam direitinho o caminho. Anna acreditava que a fumaça do cigarro seria capaz de mantê-los afastados. Ela cogitava roer as unhas, porém o cheiro do esmalte preto, ainda fresco, virava-lhe o estômago. Experimentara o gosto da Nicotina pela primeira vez aos 14 anos, atrás do muro do colégio, diante o olhar incrédulo de uma Solitude anêmica e silenciosa. Engasgou, tossiu, pigarreou e assustada deixou o cigarro cair das mãos - apagou-o com a ponta dos pés e guardou o isqueiro Bic amarelo na mochila. Trocou os insetos que guardava em vidros de conserva pelas cinzas acumuladas no cinzeiro de balshita. Colou uma etiqueta no vidro com a inscrição ”As Cinzas de Anna”, fazendo uma alusão óbvia ao título de um filme que assistira entediada na sala de vídeo do colégio. Anna encontrara o cinzeiro numa visita escolar que fizera a um museu. Ele parecia tão sozinho. Anna notou que não haviam mais pinheiros ali. Sentia que algo bucólico se perdera. Descobria-se descoberta. Onde as crianças brincavam de esconde-esconde agora? Risadas altas e sorrisos metálicos inundavam seus pensamentos. Aquilo não duraria muito.