sexta-feira, 10 de outubro de 2008

24²

Começamos nossa longa caminhada subindo uma avenida movimentada; carros, faróis, prédios e de vez em quando gente de verdade. Eu carregava minha mochila no toráx e abdome, parecia um marsupial e meu comparsa, biólogo formado, não pode deixar de rir bastante com meu comentário - emendou, no tom sarcástico e irônico habitual que "marsupial no Brasil é gambá". Ele flertava através de olhares com as moças bonitas que passavam(ou passeavam) em ônibus, admirava solitariamente algumas sílfides desavisadas que cruzavam nosso caminho - eu via tudo e ria comigo mesmo. Ele brincava dizendo que se não éramos irmãos em outra vida, éramos farinha do mesmo saco - só isso explicaria nossa sincronia nos pensamentos. Muitas vezes nem falamos nada, um apenas olha pro outro e sabe, é como a telepatia que você não encontra nos filmes de ficção. Meu comparsa trazia na mochila barras de cereais com chocolate prum inverno inteiro, placas de rede que eu havia lhe entregado antes por medo de esquecer depois, baquetas e esperanças. Como havíamos combinado, assim que chegamos numa rua famosa por ser um antro musical(há lojas de instrumentos nas quatro direções), fomos ver um violão pelo qual meu comparsa se apaixonara menos de uma semana atrás. Ele não toca o instrumento; faz conservatório de bateria há menos de três meses, tem um baixo mas não sabe tocá-lo também, no entanto é um colecionador de instrumentos dedicado - ele tenciona aprender a tocar todos eles um dia. Ele diz que toca berrante, mas não sei se é verdade nem sei se existe uma escala musical pra isso. Testei o violão durante alguns minutos, dei um veredicto positivo; gostei do instrumento - geralmente sou um cliente chato, testo muitos instrumentos e não levo nenhum e dessa vez não seria diferente, mas meu comparsa estava apaixonado pelo violão e o amor fez com que ele estragasse meus planos - fechou negócio com o vendedor poucos minutos depois. Ele parecia uma criança com um brinquedo novo.