quinta-feira, 12 de março de 2009

ESTÉREO

Lado Esquerdo:

Depois de muito tempo Ele voltava a escola onde concluira o ensino médio. Não havia tempo para prolongar nostalgias, visto que só estava interessado no seu histórico escolar. Enquanto a secretária(que curiosamente fora da turma dele)procurava por seu nome em pastas recheadas de arquivos empoeirados, uma professora notou a movimentação, aproximou-se da bancada e perguntou ao estranho se Ele fora seu aluno no passado. Ele respondeu depois de pensar 1/4 de minuto, que não, não lembrava dela - ela frustrou-se um pouco com a frieza do estranho. A secretária confirmou a história dele. A professora insistiu, perguntou se Ele tinha irmãos, se estes foram alunos dela. Ele deu o nome de seus irmãos, ela então se adiantou: disse que eles foram seus alunos e que conhecia muito bem um deles - Daniel, o irmão caçula. Havia um misto de desafeto e nostalgia na voz dela. Só então Ele reparou nos detalhes, foi além do cabelo loiro, as rugas bronzeadas que moldavam os olhos amendoados insinuantes da professora. Ela já atravessara a marca dos 40, mas mantinha-se vistosa e vaidosa, vestia uma calça jeans de um número menor, usava um batom vermelho-luxúria, sapatos pretos de sato alto e uma bata preta que destacava o decote avantajado. Ela lhe perguntou se Ele morava ali mesmo ou na capital, nunca o vira antes segundo ela. Ele achava aquela conversa toda muito estranha, mas entreteve a professora até a secretária encontrar o dito histórico cujo o valor tornara-se indispensável - sem adiamentos Ele se despediu. No ponto de ônibus lembrou de uma coisa: cerca de dois anos atrás, na época em que seu irmão caçula preparava-se pra concluir o segundo grau, chegou aos seus ouvidos um boato: aparentemente o irmão caçula se envolvera com uma professora. Juntando as peças do quebra-cabeças ficou fácil entender como seu irmão mantinha a média escolar sempre alta em algumas disciplinas(ahh moleque safado!) Talvez fosse paranóia, quem sabe estivesse superestimando as cafajestices do irmão, dando-lhe novas proezas, mas os olhos dela lhe deixaram com uma pulga atrás da orelha.

Lado Direito:

Ele resolvera dar uma folga as dúvidas. Pouco menos de uma hora depois, chegou a cidade escolhida, entregou o histórico escolar a diretoria de ensino responsável. Restava esperar a avaliação final. Caso lhe aprovassem haveria o processo de seleção de escolas que dependia primordialmente da colocação final do candidato. Podia ser enviado a uma escola rural, local onde os pais lhe chamariam de "cumpadê" e os alunos de "primo". Bastava se esforçar, dedicar-se com afinco e afetação, que ganharia bolo de milho caseiro toda semana. A troca do boné por um chapéu de palha pode lhe ajudar, assim se "enturmaria" mais rápido, imaginou...Só então pensou: também podiam lhe enviar pra alguma escola barra pesada, local onde pais lhe ignorarariam e alunos lhe chamariam de "mano", lhe ofereceriam um "bagulho" na hora do recreio. Desistiu. Não adiantava, aquelas suposições não o levariam a lugar nenhum. Acenou pro ônibus que vinha, ligou o mp3 e desligou-se delas.