quinta-feira, 18 de setembro de 2008

SOBRE ANNA: Fim do Mundo(Prelúdio)

Anna pegou o último chiclete que sobrara na bolsa. Não podia desperdiçá-lo. Usaria-o com cautela. Dividiu-o em duas metades ligeiramente iguais, levou uma delas à boca e mascou lentamente, deixando que a goma tingisse sua língua de violeta. O gosto doce aliviava a tensão. A intensidade do efeito era irregular. Podia durar horas ou apenas alguns minutos. Anna não estava com sorte. Levantou-se e voltou a caminhar. O pátio do colégio lhe esperava uns 120 metros adiante. Os passos desritmados dela produziam um som desagradável, cacofônico e irritante. A sola do coturno estava seriamente comprometida. As pernas cansadas, formigando, imploravam por um descanso. Anna carregava o peso das pequenas coisas – coisinhas que significavam muito para ela. Passou por uma amarelinha tomando cuidado para não pisar no inferno. Os ecos dos passos desapareciam pouco a pouco, juntando-se às escadarias e um corredor amplo que levaria-lhe ao seu destino. Estava muito perto agora. Parou em frente um muro que continha frases subversivas escritas com spray vermelho barato, desenhos, marcas e corações de casais apaixonados. Tinha que estar ali. Anna não lembrava direito o que procurava com tanto afinco. Procurava qualquer coisa que lhe parecesse familiar. Abaixou a cabeça, fechou os olhos, beijou o pingente do colar, lembrou-se da mãe. Ela lhe dera o colar assim que Anna completou sete anos de idade. Dizia que ele tinha uma história:”Tudo tem uma história Anna” – “não se esqueça” – não cansava-se de afirmar. Esta era antiga. Anna o carregava para onde quer que fosse. O pingente do colar tinha a forma de uma bola de gude. No interior dele havia uma substância, um líquido viscoso que conservava uma mariposa cinzenta morta. A aparência bizarra do colar levantava suspeitas sobre sua procedência. Anna gostava de mariposas – mariposas são legais, dizia. O fato dela não estar viva não lhe incomodava. Embora mariposas e insetos em geral possuíssem um defeito imperdoável. Geralmente tais criaturas morriam queimadas de maneira estúpida em alguma fogueira. Nasciam, viviam, morriam de maneira estúpida. Não eram muito diferentes dos humanos, Anna pensava. A Vida era cheia de encanto, mariposas e insetos – não na mesma proporção decerto. Mariposas simbolizavam o fim inevitável das coisas.