quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

CRÔNICA PLUVIAL

Antes do início, deixe-me dar uma prévia do que Aquele-de-quem-falo-mas-sobre-quem-não-falo concluiu no fim: definitivamente ele precisava ingressar numa escola de natação - apesar de ser pisciano, não sabia nadar. Tá, tá sei que era patético não saber fazê-lo com idade que tinha, ninguém precisa lembrá-lo. Tudo estaria bem, uma vez que ele sempre evitou praias, rios, piscinas e quaisquer locais que alocam uma quantidade de água superior a uns 0, 25 metros cúbicos(a quanto equivale isso mesmo?) No entanto, num sábado de um dia qualquer ele saiu de casa em direção a algum lugar da metrópole. É assim que ele chama a parte do estado onde as coisas acontecem. Aquele-de-quem-falo-mas-sobre-quem-não-falo mora numa cidadezinha provinciana, uma espécie de prima pobre da Metrópole, um lugarzinho afastado do centro, agitação e quaisquer coisas realmente interessantes. O tempo naquele dia era estável e a temperatura amena, porém esta cresceu gradativamente durante o percurso dele. Ele não sabia exatamente como chegar ao seu destino, já que tinha apenas um mapa improvisado numa folha de papel amassada e um senso de direção duvidoso. Após andar quadras e quadras a pé, telefonar umas três vezes pedindo orientações e, suar como um cavalo, encontrou o dito e escrito local – as horas seguintes foram bem agradáveis de fato, apesar de uma senhora que já graduara-se nas artes balzaquiânicas ter lhe assediado e o colocado em maus lençóis. Bares escondem perigos atrás de mesas, cadeiras, especialmente copos de cerveja. Ele precisava voltar para casa no mesmo dia, sabia disso. Embora se dispusessem a pernoitá-lo, ele tinha que estar presente no aniversário de um amigo de longa data no outro dia. Logo pela manhã cuidaria dos detalhes com outros amigos. Voltou às pressas, agora sem muitas dificuldades, no entanto quando chegou a um certo ponto, foi surpreendido por um temporal, um daqueles típicos de filmes-catástrofe-hollywoodianos - uma daquelas enchentes que outrora só conhecia pelos noticiários. Agora imaginem um cara descendo uma marginal inundada às 11:30 da noite, correndo como um alucinado(corra Forrest, corra!) para não perder o último ônibus. A água invadira as calçadas e arrastava as coisas que encontrava pelo caminho. Aquele-de-quem-falo-mas-sobre-quem-não-falo desviava dos pontos mais alagados com dificuldades. Parou perto de um farol, a visibilidade estava muito ruim - ele sentia a falta dos óculos, embora a armação não contasse com um pára-brisas conjugado(coisa que só cientistas malucos ou sujeitos muito excêntricos devem ou deveriam possuir). Aquele-de-quem-falo-mas-sobre-quem-não-falo, num momento de otimismo efêmero, quase delirante, cogitou a aparição do resgate na forma de um velho de barba branca e longa em sua arca gigantesca, que bradaria: “ei, ei rapaz! Quer uma carona? Ainda não temos nenhum animal da sua espécie aqui”. Depois de uns 10 minutos avistou o último ônibus para a cidade vizinha. Correu com tudo que restara de suas pernas – não sobrara muita coisa. Quando entrou no ônibus, foi obrigado a suportar os olhares curiosos dos outros passageiros e a cara-de-pau do cobrador que lhe indagou com ironia e retórica: “você se molhou, hein?!"(como se aquilo fosse um momento raro de epifania) – Aquele-de-quem-falo-mas-sobre-quem-não-falo estava encharcado dos pés a cabeça. Sentia que um alevino podia saltar do seu All-star a qualquer momento. Não sabia o que tinha na coca-cola que tomara horas atrás, mas coisas como peixinhos coloridos saindo de suas meias reproduziam-se em sua cabeça. Assustou-se e investigando os arredores, percebeu que sua imaginação estava lhe pregando peças. Notou que a viagem estava demorando mais que o habitual - é que até então, não sabia que mudavam a rota durante este horário – cortavam outro município antes da conclusão da viagem. Logo um temor tomou proporções inesperadas. E se tudo não passasse de um plano arquitetado por uma quadrilha especializada em tráfico de órgãos? Sabe-se-lá onde e como ele acordaria! Sem um rim, numa terra estranha com estranhos que o olhariam com estranheza, como estrangeiro. Mudança de itinerário. Como desconhecia esse detalhe, deixou que sua mente o levasse até seus porões. Começara mais uma corrida contra o tempo. Aquele-de-quem-falo-mas-sobre-quem-não-falo tinha que estar no ponto à 01 hora da manhã ou teria que passar quatro horas na companhia de cães e bêbados. Apesar da rota inusitada chegou a tempo no ponto. A garoa substituira o temporal e não havia uma única luz acesa nas casas do quarteirão. Um sujeito estranho apareceu e começou a lhe fazer um bocado de perguntas, que ele respondia o mais laconicamente possível. Pontos de ônibus são chamarizes para este tipo de gente, imaginou. Olhou o sujeito estranho enquanto ele se distraia com alguma coisa alheia a seus olhos - ele não parecia um fantasma. Ao menos não encontrou nenhum resquício de atividade espectral/ectoplásmica nele. Riu por um instante: era uma pena, parecia-lhe um bom começo pra um conto a la "Goosebumps". Viu luzes vindo em sua direção, acenou pro ônibus, entrou e durante o trajeto, antes do fim linha, encontrou um conhecido – este não perdeu a oportunidade de caçoar do estado dele. E dizer que tudo começou com um telefonema, doravante, um convite(“venha até aqui, estarei te esperando...”) Moral da história: não aceite coca-cola se esta lhe parecer borbulhante demais – ali existe alguma coisa além da simples e tradicional reação química envolvendo o oxigênio.