sábado, 15 de março de 2008

SOBRE ANNA: Faz-de-Conta.

Anna ainda ouvia os resmungos da Sra.Gossip, enquanto deixava para trás a viela. Ela parecia dizer alguma coisa para Zeus, o gato mais velho – provavelmente estava repreendendo-o pelo desaparecimento de Dionísio. Anna não compreendia o dialeto estranho que a Sra.Gossip usava. Conversar com animais não parecia uma atitude das mais compreensíveis decerto. Anna agora pensava consigo:”para onde vou?”. Para aqueles que não sabem aonde ir, o mundo parecia muito maior, imaginava. Anna sentia-se pequenina, quase ínfima diante dele. Esta sensação, ironicamente só crescia com o tempo. Anna estava a duas quadras do colégio onde estudava. Apressou o passo, apesar das pernas já apresentarem um formigamento incômodo. Eram quase 6:00 horas da noite. Não tardaria para o dia cometer suicídio. Poderia esperar pelo pôr-do-sol sentada nas escadarias do colégio. Não era uma má idéia afinal.
Anna encontrou o portão do colégio encostado; seguro apenas por um lacre simplório. Provavelmente o zelador responsável esquecera de fechá-lo corretamente(”ou estava bêbado demais para lembrar-se de detalhes”) - Anna cogitava a hipótese constantemente. Sem esforço Anna rompeu o lacre improvisado. Mais alguns passos dali estavam as escadarias. Anna sentou-se, abriu a bolsa, mas não restara um único maço de cigarros. Amaldiçoou a Sorte até sua quinta geração por isso. Precisava fumar. Nervosa começou a andar em círculos – gastou um pouco mais a sola do coturno e ficou tonta poucos minutos depois. Sentou-se novamente. Pegou a fotografia do balanço e observando cuidadosamente, notou que havia mais alguém ali. Não dava para enxergá-la direito, pois o foco estava distorcido. Solitude Seven. Sim, ela era mesmo - Anna não tinha dúvidas. Tratava-se de uma amiga que ela conhecera no jardim de infância. A única amiga que Anna tivera a vida inteira. Conheceram-se logo após o triste fato que envolveu a mãe de Anna - no playground daquele mesmo colégio. Anna e Solitude passavam a maior parte do tempo juntas, brincando no escorregador e quando se cansavam, sentavam-se no balanço esperando o sinal que anunciava o término das aulas. Solitude Seven era maior que Anna. Sempre fora. Tinha uma pele alvíssima, cabelos muito negros e lisos, olhos pequenos e fundos e uma aparência que oscilava conforme o passar das horas – além disso era alguns anos mais velha que Anna. Não era preciso mais do que isso para descrevê-la. Anna e Solitude estudaram juntas até o início do ginásio. Anna arranjou o primeiro namorado. Estava feliz. Não durou...Era uma vez. Após alguns meses o encanto quebrou-se, o príncipe transformou-se num sapo asqueroso e Solitude voltou a visitá-la freqüentemente – contos de fadas não duravam. Anna sentira sua falta – não cansava-se de repetir quando encontravam-se no pátio do colégio. Eram mais do que amigas; eram cúmplices inseparáveis. Nela Anna dera seu primeiro beijo. Vieram outros beijos, outras bocas, outros sabores, outros príncipes e sapos também, mas o gostinho de Solitude se alojara ali. Permanecera. Não dava sinais de que iria embora. Num domingo, um feriado, ou qualquer dia em que um minuto fosse muito, e um dia uma sentença, aquele gosto acre reaparecia. Anna sentia ânsia. Sentia medo. Sentia-se só...Mas logo esquecia.